MC Hariel é um dos nomes mais populares e respeitados do funk brasileiro. Aos 27 anos, soma mais de 5 bilhões de streams e sucessos como “Maçã verde”, “Tem café” e “Set dos casados”. Indicado ao Grammy Latino 2025, na categoria Melhor Interpretação Urbana em Língua Portuguesa, o artista concorre com a canção “A dança”, parceria com Gilberto Gil. O resultado será anunciado em 13 de novembro.

Nascido e criado na Vila Aurora, na zona norte de São Paulo, Hariel descobriu cedo que a música podia ser um abrigo. Começou a compor aos 11 anos e transformou o som em refúgio – uma forma de proteger a si e a família dos desafios da periferia. “Minha mãe sempre colocava som alto para mudar a vibração da casa”, relembrou.

Em entrevista ao Papo Amado, do canal Amado Mundo, Hariel falou sobre fama, saúde mental e o papel do funk como força cultural e instrumento de dignidade. Comentou também a criação da Zaori, produtora voltada à formação de jovens artistas periféricos, e refletiu sobre o impacto social do gênero que o projetou.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista. Assista à íntegra ao final do texto.

Você é super novo e já conquistou muita coisa. Como é que cuida da cabeça?
É difícil a gente lidar com a fama, mas também é difícil a gente lidar com a vida real, ônibus lotado, fome, dificuldade de pagar as contas… que é de onde vim. Cuido da minha cabeça sendo amoroso com as pessoas que amo e também respeitando meus momentos de estresse, neurose ou silêncio.

Você começou aos 13 anos. Quem era aquele menino?
O Hariel de 13 anos era um moleque cheio de sonhos e com o dobro de receio e de medo do futuro. Ao mesmo tempo tinha muita esperança, sempre gostou de cantar, de jogar bola, de estar envolvido e se sentir pertencente ao espaço. Um moleque que sempre cuidou da família. Eu morava na garagem de um sobrado – tinha uma casa em cima da minha e outra no fundo. A de cima era de um familiar brigado com meus pais; a de trás, dos meus tios, que eram viciados em drogas. A gente acabava ficando meio isolado ali; e minha mãe sempre colocava música, mantinha o volume alto para mudar a energia do ambiente. Mesmo com os problemas, ela fazia sarau, juntava gente para falar de música, poesia, tocar um instrumento – esse sempre foi o rolê dela.

E o seu pai?
Meu pai era músico. Fez sucesso antes de eu nascer, mas, quando nasci, ele já enfrentava problemas com álcool e drogas, tocando de bar em bar. A influência dele foi grande em como fazer e como não fazer. Ele me mostrou um caminho a seguir e um caminho a não seguir. Meu pai foi um cara que, sem querer, acertou.

Houve um momento em que você percebeu que dava para transitar entre o rap e o funk e criar algo próprio?
Acho que sim, mas também passa por uma parada de pertencimento e por mostrar que o funk pode ser maior do que as pessoas percebem. Minhas maiores influências são artistas de funk: Cidinho, Kaxeta, Duda do Marapé, Primo, Felipe Boladão, Careca, o Kevin… O funk ainda é olhado de um jeito que empurra para um canto. “Ah, o funk é só putaria.” Essas músicas acabam ganhando mais visualização porque são consumidas além da periferia — nas casas de show, nas boates, pelos playboys – e viram música de festa. Os mais novos pensam: “pra que eu vou cantar uma ideia que ninguém escuta? Vou fazer sucesso, ganhar dinheiro e ajudar minha mãe.” O sonho de muita gente da periferia é mudar a vida da mãe, do pai, comprar uma casa, um carro melhor.

Qual foi o momento em que você teve essa satisfação com a tua família?
Quando eu comprei uma caixa d’água, irmão. Quando pude tomar banho depois das seis. Na quebrada, eu sofria com racionamento de água e, se eu passasse do horário, tinha que dormir com o pé preto, pedir para tomar banho na casa de um vizinho. Então, a caixa d’água para mim foi tipo “virei playboy”. Poder tomar banho à noite, chegar da rua e tomar um banho antes do show era uma vitória. Tinha dia que eu pedia para tomar banho na casa de alguém, tinha dia que pediam para tomar banho na minha. Essa é a realidade de muitos brasileiros. Moro em São Paulo, a maior metrópole, e ainda tem gente que não tem banheiro em casa. É foda. As pessoas julgam o caminho, mas não o que vem antes da escolha do caminho.

Como é o seu processo criativo?
O mercado e o formato mudam e a gente precisa se adequar. Hoje, o DJ já entrega a batida pronta, e a gente cria em cima dela. Quando vou pro estúdio, componho um monte; sempre fui amante da composição. Cantar é a cereja do bolo.

Quais as suas referências fora do funk?
Gosto muito do som do Gilberto Gil, do Lenine, de rock, de MPB, de samba… Dominguinhos também. Quase não escuto música internacional. Sempre quero conhecer um artista novo, escutar um som novo. Para mim, a música brasileira é a melhor do mundo.

Qual é o plano da Zaori?
É ser uma produtora cultural. Queremos produzir cultura periférica de diversas formas. Temos projetos no esporte, oficinas de música, aulas de canto e dança toda semana. Está começando uma oficina de literatura. Sexta-feira, antes do baile, a molecada se reúne para ler um livro ou debater um tema. A ideia é fomentar a cultura e revelar talentos através do funk, do rap, do trap, do samba… de todos esses ritmos periféricos.

Qual é a sua visão sobre política?
Sou político e consigo conversar sobre política, mas não gosto de perder amizades nem excluir pessoas por isso. Obviamente, tem gente que é tipo água e óleo, não se mistura. Adotar um político como ídolo é ruim, porque, quando esse cara fizer uma merda, a gente vai ser obrigado a passar pano. A gente tem que saber em quem votar, mas manter neutralidade para poder cobrar e falar quando essas pessoas estão erradas.

Funk paulista ou funk carioca?
O funk começa no Rio de Janeiro, depois pula para a Baixada Santista. Ali, nasce um movimento diferente do que rolava no Rio. Depois chega a São Paulo, na Zona Leste, e se espalha para toda a capital. O funk de São Paulo, com todo o respeito, tem mais melodia, mais letra, é mais colado com o rap. No Rio, é uma parada mais feliz, de dança. Mesmo as músicas proibidas ou conscientes têm uma melodia mais alegre, que convida pro lazer – o baile é um espaço de distração. Em São Paulo, isso aparece menos. Gosto mais do funk paulista – sou um filho do funk paulista –, mas respeito muito o carioca, porque foi importante para o paulista nascer.