Desde que indicou o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) para relatar o “PL Antifacção”, proposta do governo para a segurança pública, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reforçou a desconfiança no Planalto em relação à sua lealdade a Lula. Em resposta à atitude de Motta, os governistas querem ganhar tempo para mobilizar a sociedade contra a proposta do relator, como aconteceu na tramitação da “PEC da Blindagem”, que foi aprovada na Câmara, mas acabou enterrada no Senado após intensa reação das ruas.
Dentro do Planalto, prevalece a avaliação de que a oposição e o Centrão têm votos suficientes para aprovar o substitutivo de Derrite, que inclui uma série de pontos rechaçados pelo governo. Para evitar a derrota, os governistas tentam adiar a votação, marcada para esta terça-feira, 11. Com essa preocupação, a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e o ministro Sidônio Palmeira (Secom) se reuniram nesta segunda para traçar uma estratégia contra o texto do relator.
O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) participava em Belém da abertura da COP-30 e retornou à tarde a Brasília com a intenção de convencer Motta a adiar a votação do projeto. Ele também trabalha, especificamente, para derrubar a proposta encampada por Derrite de retirar poderes da Polícia Federal. Pelo texto do relator, a “apuração, o processamento e o julgamento dos crimes” das facções serão responsabilidade das polícias estaduais. A competência para processamento e julgamento fica com a Justiça Estadual, “respeitados os critérios de competência previstos na legislação”.
Pela proposta de Derrite, caberá ao governador requisitar a participação da PF “quando houver repercussão interestadual ou transnacional dos fatos, potencial de afetar a segurança nacional ou de desestabilizar” a ordem pública internacional. “Isso é inconstitucional. A PF pode fazer seu trabalho contra organização criminosa e não precisa de autorização do governador”, diz o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ).
Efeitos na economia
Outro ponto de preocupação dos governistas é relativo aos efeitos na economia. Parte dos investidores estrangeiros inclui em suas políticas de controle a regra de não apostar em países com organizações terroristas. Como a proposta do relator equipara as penas de atuação em facções criminosas às punições por prática de terrorismo, o governo entende que o Brasil estaria enquadrado nessa restrição. A mudança proposta por Derrite seria feita na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, conhecida como Lei antiterrorismo.
Na noite desta segunda, Gleisi foi às redes para criticar o relatório. Segundo a ministra, o texto protege “a bandidagem e as facções” e subverte o projeto enviado pelo governo. “Para piorar, ele mantém com outro nome a ideia de classificar facções como terroristas, que não resolve nada, mas é uma grave ameaça à soberania do país e às nossas empresas”, criticou.
De acordo com os governistas, a justificativa do relator sobre esse ponto abre a porta da legislação brasileira para a equiparação dos dois tipos de crime. “Destaca-se, já de início, que não se trata de classificar as organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas como ‘organizações terroristas’ em sentido estrito, mas de reconhecer que certas práticas cometidas por essas estruturas produzem efeitos sociais e políticos equivalentes aos atos de terrorismo, justificando, portanto, um tratamento penal equiparado quanto à gravidade e às consequências jurídicas”, argumenta o relator.
Nesta segunda, Derrite disse, em entrevista à CNN, que o governo precisa ser coerente e não propor o adiamento da votação. “Parece que até alguns dias atrás o governo federal pedia celeridade no projeto e agora está dizendo que não tem ambiente, que precisa de mais tempo”, disse o deputado. Ele se mostrou disposto a mudar pontos da proposta e falou que tem conversado com parlamentares e magistrados. “A pauta é suprapartidária e estou disposto a escutar todos os lados”, postou em suas redes sociais, assim que divulgou seu relatório.
Motta tem pressa
Enquanto o Planalto tenta adiar a votação, Motta tem pressa em votar o projeto. Segundo interlocutores do presidente da Câmara, ele não cogita adiar a apreciação do texto.
Nesta segunda, Motta foi chamado ao STF para uma reunião com o ministro Alexandre de Moraes para discutir o “PL Antifacção”. Como o presidente Lula ainda não indicou o substituto de Luís Roberto Barroso no Supremo, Moraes assumiu temporariamente a relatoria da ação conhecida como “ADPF das Favelas”, que estabeleceu uma série de diretrizes para reduzir a letalidade policial no Rio de Janeiro. Nessa função, ele atua diretamente nos desdobramentos jurídicos da megaoperação que terminou com 121 mortos.
