Apesar dos recentes abalos de confiança, o entendimento no Palácio do Planalto é que será preciso manter a boa relação com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), até o ano que vem. A cautela tem razões pragmáticas: o governo depende da aprovação pelo Congresso de projetos que aumentam a arrecadação de 2026.

A divergência mais recente foi provocada pela decisão de Motta de escolher o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) para relatar o PL Antifacção, proposto originalmente pelo Planalto. Ao entregar o texto a um parlamentar da oposição, Motta tirou das mãos do governo uma das principais propostas para o combate à criminalidade, tema sensível para as eleições de 2026.

Aliado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), Derrite ocupava até duas semanas atrás o cargo secretário de Segurança Pública do estado e deixou o posto para assumir a relatoria do projeto. Provável candidato à Presidência da República no ano que vem, Tarcísio desponta como um dos nomes mais fortes para enfrentar Lula. O gesto de Motta tirou o protagonismo do petista nessa proposta.

Motta pretende colocar o PL Antifacção em votação nesta terça-feira, 18. O governo trabalha para adiar a decisão da Câmara sobre o projeto, mas para isso depende do presidente da Câmara. Um último esforço para tentar evitar que o texto seja levado ao plenário será feito nesta manhã pelos ministros Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), que terão reunião com Motta para tentar evitar uma derrota nessa votação. O Planalto trabalha contra a tentativa de Derrite de tirar verbas da Polícia Federal e, também, quer impedir aprovação da proposta que equipara facções criminosas a organizações terroristas. 

Fora da discussão da segurança pública, pelo menos três matérias com impacto na arrecadação dependerão de Motta para que sejam apreciadas até o fim do ano. Uma delas é o projeto de lei 5.473/2025, sobre aumento de tributação de bets, bancos e fintechs. Essa proposta também tem previsão para ser votada nesta terça-feira, 18, na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, onde tramita em caráter terminativo. Se aprovada nessa fase, vai direto para a Câmara.

Outra proposta de interesse do Planalto em tramitação na Câmara é projeto de lei complementar nº 182/25, que prevê o corte linear de 10% de benefícios fiscais para setores da economia. Este projeto está sob análise da CFT (Comissão de Finanças e Tributação) e teve a votação adiada na semana passada por um pedido de vista.

A terceira proposta que impacta o orçamento e que deixa o governo dependente de Motta é o PLP 125/22, conhecido como projeto dos “devedores contumazes”. Além de fazer parte do pacote de enfrentamento ao crime organizado, essa proposta também contribui para a arrecadação do governo. De autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o texto já foi aprovado pelo Senado. Sobre essa proposta, Gleisi pediu a Motta que a tramitação não seja atrapalhada pelas discussões acirradas em torno do PL Antifacção.

Por outro lado
O presidente da Câmara também tem interesse em não romper com o governo, embora seja aliado da oposição em assuntos que contrariam o Planalto, caso do aumento das alíquotas do IOF, que foi derrubado pela Câmara. Na política estadual, Motta quer o apoio explícito de Lula para a candidatura ao Senado de seu pai, Nabor Wanderley, atual prefeito de Patos (PB).

Motta também trabalha para renovar o mandato de deputado e, se possível, se reeleger presidente da Câmara em 2027. Para concretizar esses planos, ele precisa se equilibrar entre o governo e a oposição para tentar repetir o amplo leque de alianças que o levou ao cargo no ano passado. Com esse objetivo, ele por vezes agrada à oposição e contraria o governo, ou vice-versa.

Outros fatores aproximam Motta do Planalto. Após a devassa feita na Esplanada contra os infiéis do União Brasil e do PP, o governo deu a Motta a oportunidade de fazer indicações para cargos no segundo e no terceiro escalão, incluindo ministérios, autarquias e estatais. A indicação de Derrite, segundo interlocutores do Planalto, acabou suspendendo esse movimento. Vem daí a surpresa do Planalto, pois o presidente da Câmara chegou a participar de reuniões com o governo para definir a recomposição dos cargos com as bancadas de deputados.