Na terça-feira (02/12), ministros do governo Lula e parlamentares da base se manifestaram contra o texto relativo à proposta de redução da escala 6×1, apresentado pelo relator na Câmara, o deputado Luiz Gastão (PSD-CE). O texto reduz a carga horária semanal para 40 horas, mas mantém a possibilidade de o funcionário trabalhar seis dias na semana, o que vai na contramão da proposta do governo de reduzir a jornada para regime 5×2, isto é, cinco dias de trabalho por dois de descanso.

Esse embate em torno da revisão da escala 6×1 escancara um conflito central desse momento político, porque, de um lado, o governo tenta imprimir coerência a uma agenda trabalhista que considera estratégica para 2026, enquanto, de outro, a Câmara opera com margens próprias, sensível à pressão do empresariado e a cálculos regionais que nem sempre convergem com o Planalto.

A reação imediata de ministros e parlamentares governistas demonstra que o tema ultrapassou o campo técnico. Tornou-se um símbolo da capacidade do governo Lula de transformar em política concreta uma promessa associada ao bem-estar do trabalhador, justamente em um período em que a administração busca recompor bases populares e reafirmar identidade programática.

O relator ofereceu uma solução intermediária, mas para o governo isso representa não apenas um recuo em relação ao compromisso assumido, mas um risco político claro. A proposta original, estruturada no regime 5×2, atende a um imaginário social que vincula qualidade de vida à previsibilidade do descanso, e não apenas à soma de horas. Ao manter a lógica do 6×1, mesmo com jornada encurtada, o relatório reafirma um modelo de organização laboral que o governo tenta superar, e abre espaço para que adversários argumentem que a pauta trabalhista do Executivo é mais retórica que efetiva.

A presença coordenada de Boulos, Gleisi Hoffmann e Sidônio Palmeira diante da imprensa evidencia um movimento de contenção de danos. Boulos, escalado para vocalizar a insatisfação, traduz a leitura dominante no governo, que é a de que o relatório não só desfigura a intenção original como produz um ruído que pode fragilizar a narrativa construída ao longo do ano.

O governo sabe que, em temas de grande apelo popular, a percepção vale tanto quanto o texto legal. Por isso, a escolha de reagir imediatamente busca reconduzir o debate ao eixo desejado, reafirmando que a promessa do fim da escala 6×1 permanece como diretriz.

A disputa agora se desloca para o terreno das negociações parlamentares, onde o governo precisará demonstrar articulação real, não apenas indignação pública. A resistência ao 5×2 dentro da Câmara reflete preocupações sobre custos operacionais em setores que dependem de alta rotatividade e cobertura contínua, mas ainda assim, o Executivo aposta que a pressão social, combinada à visibilidade eleitoral da pauta, poderá reverter essa correlação de forças.

Não por acaso, integrantes do governo insistem em destacar pesquisas que mostram apoio majoritário da população à mudança. Trata-se de um recado tanto aos parlamentares quanto aos setores econômicos envolvidos.

A controvérsia evidencia que a agenda trabalhista será um dos campos centrais de disputa em 2026. Se o governo conseguir reverter o relatório e aprovar o modelo 5×2, apresentará um troféu com potencial de mobilização social. Se fracassar, corre o risco de ver um de seus principais ativos de campanha convertido em argumento oposicionista. O episódio, portanto, não é apenas mais um desacordo entre Executivo e Legislativo, mas sim um teste sobre a capacidade do governo de orientar o debate político em torno de valores que pretende reivindicar em 2026.

Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper