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Galípolo terá que vencer cultura do silêncio do BC

O jeito transparente de falar e explicar temas áridos do futuro presidente do Banco Central conflita com o comportamento que reina, há tempos, na instituição

Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Foto Lula Marques/ Agência Brasil

Gentil e transparente, bem-humorado e sincero, com uma humildade nada comum para um presidente do Banco Central. Entre todas as percepções que Gabriel Galípolo deixou no Congresso Nacional, durante a sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos ou no beija-mão que antecedeu o questionamento público dos senadores, uma delas chama atenção: a liberdade com que fala e desmistifica temas áridos relacionados à autoridade monetária. Seja sobre a independência que terá para trabalhar, a visão do BC sobre jogos online ou a análise da trajetória da inflação, ele explica com desenvoltura e, aparentemente, sem filtros.

O novo estilo do presidente, que assumirá o comando do BC a partir de janeiro de 2025, preocupa os defensores da tese de que a “cultura do silêncio” é sempre o melhor estilo de comando para o BC. Impregnado entre os técnicos de carreira da instituição, esse modelo que se arrasta desde a década de 60, está ancorado no fato de que, historicamente, é a solução para blindar a instituição e tentar mantê-la longe da esfera política.

Além de câmbio e juros

“O BC tem dois preços a proteger: câmbio e juros e a cultura do silêncio sempre foi conveniente”, argumenta um técnico. No entanto, a amplitude de objetivos do BC em tempos de revolução tecnológica vai muito além de câmbio e juros. A instituição, nos últimos anos, se aproximou da economia real e da vida das pessoas. Com o pix, “o BC ficou pop”, comemoram alguns. E ainda ganhou autonomia operacional.

Esses passos importantes foram dados na gestão de Roberto Campos Neto, mas a agenda que ele deixa como legado para Galípolo requer maior proximidade ainda com a população. O projeto de Open Finance que, na prática, trata da abertura de informações da vida financeira dos clientes bancários e do uso intensivo de base de dados para fomentar a concorrência entre as instituições financeiras é um caminho sem volta. E deve reforçar o lado pop do BC para acontecer de fato.

A aposta da cúpula da autoridade monetária é exatamente essa. Internamente, sabe-se que, se deixar por conta dos bancos, o projeto ficará em banho-maria enquanto o que se espera é que ele “sacuda a concorrência”. Traduzindo: isso passará por perdas de receitas em produtos tradicionais e pela aposta em novas frentes, coisa que “a banca” tradicional não curte. As fintechs estão aí para provocar os grandes bancos, e o BC precisará de maior conhecimento e engajamento da população nesse projeto.

O sincerão

Nas palavras de pessoas que conhecem Galípolo de perto, ele está muito mais para revolucionário do que seguidor da “cartilha tradicional da Faria Lima”. No entanto, segundo esses mesmos amigos, ele sabe que os movimentos da autoridade monetária não podem ser bruscos. Com isso, “sem filtro” não é o termo ideal para descrevê-lo. Ele está mais para “um filtro apurado”. Melhor até do que seu antecessor, Roberto Campos Neto, que é tido como “o sincerão”, mas diante do fogo amigo dentro do próprio governo, recuou nas aparições públicas.

Galípolo tem maior trânsito no Palácio do Planalto. E terá ainda um desafio duplo: gerenciar as expectativas do presidente Lula e as do mercado. Ele é o primeiro pupilo declarado de um presidente eleito a assumir o comando da política de juros e o controle da inflação no Brasil e terá, na avaliação de seus próprios colegas de governo, a missão de “salvar Lula do próprio Lula”.

Inflação

E o que isso quer dizer? Se não se descolar do presidente, que não aceita altas de juros mesmo diante de previsões de aumento da inflação, e não mantiver os preços sob controle, ele pode comprometer o desempenho da economia num momento crucial para Lula: a disputa eleitoral de 2026. Importante lembrar que cada mexida nos juros tem um efeito defasado na economia. O próprio BC destacou, no último relatório de inflação, o primeiro trimestre de 2026 com o atual “horizonte relevante de política monetária”. Isso quer dizer que a alta deste mês na taxa básica da economia, a Selic, levará um tempo para impactar integralmente a economia real e surtir plenamente o efeito desejado pelos diretores.

Com isso, a partir de janeiro de 2025, as decisões do BC sob o comando de Galípolo estarão refletindo mais fortemente na atividade econômica de 2026, último ano do mandato atual do presidente Lula e quando o governo estará focado em garantir a reeleição ou fazer seu sucessor.

Vale colocar nessa conta também o fato de que o mercado financeiro, responsável por boa parte da formação das expectativas, ainda tem dúvidas sobre o que será a gestão Galípolo – e quer ver para crer. Assim, gerenciar bem as expectativas pode facilitar o próprio trabalho dele e do time do BC.

De olho em 2026

A sinalização que o Banco Central deu ao subir os juros na reunião de setembro é a de que virá um “ciclo” de alta pela frente. A decisão foi unânime. E, pela análise no relatório de inflação, fica clara a preocupação dos diretores, o que inclui Galípolo: “as projeções de inflação subiram em todo o horizonte apresentado, aumentando assim o distanciamento em relação à meta”. Para os integrantes do Copom, “a projeção para o primeiro trimestre de 2026 aumentou em 0,2 ponto percentual em relação ao relatório anterior”.

Todos os alertas recentes (no comunicado após a reunião do Copom em que os juros subiram, na ata que detalha o debate da reunião e no relatório de inflação) são de mais crescimento e mais inflação. A economia está aquecida acima do previsto, impulsionada por mais emprego e renda das famílias, por investimentos das empresas e por um impacto menor do que o esperado das enchentes no Rio Grande de Sul.

“A lua de mel com o presidente Lula acabará em poucos meses”, defende um alto integrante do governo. “Ele vai seguir a cartilha do BC e manter um dos pilares da economia (a inflação) sob controle. Não há outro caminho. Não dá para brincar com isso”, emenda.

Por sua conta e risco

Apesar de a sua sabatina no Senado ter sido uma das mais tranquilas das últimas décadas, Galípolo tem muito claro que estará por sua conta e risco assim que assumir a cadeira de presidente do BC. Isso porque, com eleições presidenciais batendo à porta, o apoio às decisões da autoridade monetária a partir daí entrarão no cálculo político.

De um lado, o presidente Lula em plena articulação pela sucessão presidencial não terá problema em virar o discurso e atacar quem, hoje, elogia. Do outro, seu ex-chefe e colega, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com fortes pretensões políticas, não vai querer ficar mal com o presidente. Ambos terão a quem culpar se a economia desandar: o Banco Central.

Ajuste fiscal capenga

E, aí, Galípolo pode pagar até mesmo por erros da Esplanada dos Ministérios. O orçamento para 2025 apresentado pela equipe econômica, leia-se ministérios da Fazenda e do Planejamento, deixou claro um ajuste fiscal capenga. Basicamente, a Fazenda conta com uma receita adicional a partir de elevação de impostos, que não sabe se conseguirá aprovar no Congresso para cobrir uma despesa que o Planejamento não consegue reduzir, porque não encontra apoio interno no governo para enfrentar mudança de políticas e reformas necessárias.

“Se não fizermos o fiscal, aí, sim, a autonomia do BC será testada”, diz um integrante da equipe econômica. “Mas vamos fazer”, completa. E por que isso é tão importante? Se o governo não consegue acomodar seus gastos dentro das receitas que tem, ele precisa se endividar mais para cobrir o buraco que fica na contabilidade pública. Dívida em patamar insustentável gera crise de confiança dos investidores, que passam a duvidar da capacidade de o governo conseguir honrar seus compromissos financeiros.

Investidor inseguro cobra mais caro para emprestar. O risco de crédito eleva o custo dos empréstimos bancários, o que afeta governo e setor privado. Com instabilidade no mercado, o BC pode ter dificuldade em controlar as expectativas de inflação e o principal instrumento que ele tem para administrar essa volatilidade é a taxa de juros. No fim das contas, juros altos derrubam a produção e a economia para segurar a alta de preços. E, na esteira, podem derrubar presidentes que tentam se reeleger ou fazer seu sucessor.

É nessa corda bamba que o novo presidente do BC terá que se equilibrar. Mas, colegas próximos creem que Galípolo aprendeu rápido a transitar em Brasília e, ao contrário de muitos dos seus antecessores, terá jogo de cintura para transitar entre a Esplanada e o Palácio do Planalto e fazer bem o seu trabalho.

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