Após um ano marcado por embates com a oposição, rusgas com governistas e com a imprensa, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), recebeu jornalistas para um café da manhã na Residência Oficial. No encontro, Motta novamente se desculpou pela atitude de retirar do plenário os profissionais e pela ação truculenta da Polícia Legislativa ocorridos no início deste mês. A intenção, segundo ele, é de inaugurar 2026 com uma abertura maior com a imprensa.
Na entrevista coletiva, Motta buscou minimizar os desgastes ocorridos entre os três poderes, falou de sua intenção de buscar um diálogo permanente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, classificou as divergências de “naturais” e defendeu uma relação de respeito com o Judiciário.
Motta falou sobre as investigações de parlamentares suspeitos de mau uso das emendas ou desvio de recursos e enfatizou que a Câmara não compactua com o que não é correto. Disse ainda que não será obstáculo para que a Polícia Federal e o Judiciário cumpra o seu papel.
Confira os principais pontos da entrevista do presidente Hugo Motta.
Relação com Lula
Depois de vários embates com o governo ao longo de 2025, o presidente da Câmara avalia que chega ao final do ano com a relação “estabilizada” com Lula. Motta reconheceu que houve “altos e baixos” no diálogo com o chefe do Executivo e disse que espera um caminho mais próximo. “Essa questão da relação com o governo, como todas as relações das nossas vidas, você tem altos e baixos. E isso é muito natural, porque cada Poder tem a sua independência, cada Poder tem a sua maneira de agir, tem a sua dinâmica interna”, afirmou.
“A relação, na minha avaliação, termina o ano estabilizada, termina o ano com com uma perspectiva de que entremos em 2026 conversando mais, dialogando mais e superando as divergências que aconteceram aí ao longo do ano”, disse. “Cada Poder tem a sua independência, cada Poder tem a sua maneira de agir, a sua dinâmica interna. Não está escrito na Constituição que um Poder tem que concordar com o outro em 100% dos pontos”, enfatizou.
“Eu tenho uma relação de profundo respeito, diálogo com o presidente Lula. Nós temos conversado muito, como disse aqui, existem as discordâncias, mas esse respeito não se perdeu mesmo quando existiu essa essa divergência”, afirmou.
Novo ministro do Turismo
Motta esteve a quinta-feira, 18, no Palácio do Planalto, para a posse do novo ministro do Turismo, Gustavo Feliciano (União Brasil-PB), um amigo dele, filho de um grande aliado, o deputado Damião Feliciano (União Brasil-PB). Lula fez questão de compartilhar um vídeo mostrando que o nome, além de agradar a parte governista do União Brasil, também é do agrado de Motta. Motta se mostrou satisfeito, mas resistiu em se dizer contemplado pela escolha. Ele falou que a construção foi feita pelo União Brasil e que ele endossou o nome por saber da competência de Gustavo Feliciano na área.
“Acho que ajuda o governo do ponto de vista político”, disse. “Nós vivemos um regime democrático e a governabilidade é construída com espaços”, completou.
Relação com o STF
O presidente da Câmara também teve em 2025 conflitos com decisões do STF, especialmente, as que determinaram a perda imediata de mandato de deputados. Ele se recusou a cumprir as decisões “de ofício”, conforme decisão da Corte em relação a deputada Carla Zambelli, por exemplo, mas viu a votação da Câmara, que livrou a deputada da cassação, ser anulada pelo Supremo. Mesmo assim, Motta procurou demonstrar que respeita o papel do Judiciário e que entende que a defesa do Legislativo e das prerrogativas dos deputados não podem ser confundidas com protecionismo.
“Eu não faço pré-julgamento antecipado sobre nenhum assunto. A polícia está no papel de investigar. Nós temos os órgãos que auxiliam o Supremo — Ministério Público Federal, Polícia Federal, ou a CGU (Controladoria-Geral da União), que estão aí para acompanhar todos essas ações contra parlamentares e, nesse aspecto, têm que cumprir o seu papel de Poder Judiciário”, disse.
Investigação sobre emendas
Motta também comentou as recentes buscas feitas na Câmara pela PF contra a advogada Mariângela Fialek, conhecida como Tuca. As investigações indicam que ela gerenciava o chamado “orçamento secreto”. Vários parlamentares saíram em defesa da advogada. Motta, nesta sexta, voltou a defendê-la. “Ela apenas compila dados, nós temos cumprido essencialmente a lei que nós pactuamos com o Supremo Tribunal Federal e com o Poder Executivo a respeito da execução das normas de comissão”, afirmou. “Todos os líderes sabem que ela faz ali um trabalho técnico de compilar os dados, as indicações e acompanhar junto às comissões no cumprimento dessa lei”, defendeu.
O presidente também buscou defender a existência das emendas parlamentares que, em sua avaliação, abrevia a chegada de recursos nos lugares mais remotos. “Eu tenho também a plena certeza que a larga maioria dos representantes que estão na Câmara dos Deputados trabalham corretamente da emendas”, disse. “As emendas têm um papel social importante, elas levam desenvolvimento para as regiões mais carentes do país”.
Sóstenes e Jordy
Ao comentar as buscas realizadas nesta sexta-feira, 19, pela PF, nos gabinetes da Câmara, contra os deputados Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) Carlos Jordy (PL-RJ), Motta enfatizou que “não tem compromisso em encobrir o que não é correto”. Os dois são investigados pelo uso de recursos da cota parlamentar em “despesas inexistentes”.
“Eu recebi a ligação do diretor geral da Polícia Federal, sempre acontece isso em relação aos parlamentares, ele liga para a avisar. Me parece que é uma questão de gabinete, mas não quero fazer pré-julgamento. Vamos acompanhar e colocar sempre a Câmara a disposição para prestar qualquer esclarecimento acerca de assuntos que estão tramitando no STF”, disse Motta.
“A Câmara não tem o compromisso em ficar protegendo aquilo que não é correto. A Câmara dos Deputados não têm essa função, muito menos o presidente. Claro que quando tem um colega que é alvo de qualquer ação, seja ela qual for, nós não ficamos felizes com isso. Mas o Poder Judiciário está cumprindo o seu papel. O que nós temos que tratar e aí tem que ter uma linha para enquadrar aquilo que precisa ser investigado, referente a suspeita de algum parlamentar que não tenha agido corretamente e aquilo que é exagero do ponto de vista de decisões”, disse o presidente. Ele procurou não especificar os pontos que considerou exagero em relação ao STF.
Resposta a Arthur Lira
Ao ser questionado sobre as críticas feitas pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) qualificando sua gestão como uma “esculhambação”, Motta buscou amenizar os ânimos. “Cada um tem seu jeito de agir”, disse.
“Sempre tive uma relação de muita amizade, desde quando eu cheguei aqui em Brasília, com o deputado Arthur Lira. Não concordo com as críticas, eu também não sei se foi tirado de contexto o que ele disse. Sigo com muita tranquilidade fazendo o que eu entendo que é certo. É natural que haja discordância, cada um tem seu estilo, sua forma de agir, se comportar, sua maneira de tomar decisão. Da mesma forma que eu discordo de alguém, também acho natural que discordem de mim. Mantenho essa relação de amizade e respeito com o deputado Arthur”, disse o presidente da Câmara.
“Congresso inimigo do povo”
O presidente da Câmara também respondeu à crise de imagem que ficou expressa nas redes e nas ruas sob o slogan “Congresso inimigo do povo”, após as votações da chamada PEC da Blindagem, que limita investigação de parlamentares e das discussões envolvendo a anistia dos condenados pela tentativa de golpe de Estado. Ele rebateu essa ideia dizendo que a Câmara “representa a sociedade” e entregou projetos importantes para o país neste ano. “Dizer que o Congresso Nacional não tem atuado a favor da sociedade não é verdade”, reagiu.
“A Câmara conseguiu produzir positivamente. Conseguiu entregar projetos importantes. A Câmara não atrapalhou o país, a Câmara ajudou o país. A Câmara teve protagonismo, teve uma votação condizente com a representação da nossa população. Somos uma Casa que representa a sociedade com suas qualidades, defeitos, virtudes e problemas. Não podemos dizer que a Câmara não representa a vontade da população”, defendeu o presidente.
