O ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem repetido que deixará o cargo no início de 2026. O anúncio era esperado, pois ele é um dos nomes do PT para a disputa em São Paulo e o calendário eleitoral impõe prazo para a desincompatibilização de ministro de Estado. O comunicado prévio e estratégico veio com um segundo informe, esse sim, inesperado: o de que sua saída da Fazenda não seria para disputar as eleições no estado, mas para coordenar a campanha presidencial de Lula, em busca do quarto mandato.
A “novidade” gerou desconfiança de setores econômicos e, ao mesmo tempo, fez aumentar a pressão interna no PT e entre membros do governo por uma confirmação rápida de sua candidatura em São Paulo. Em frentes opostas, Haddad está sob pressão, na avaliação de seu entorno: de um lado, setores do mercado dão sinais de temor com mudanças na política fiscal, orientadas pelo calendário eleitoral de 2026; de outro, segmentos do PT preocupados com uma eventual recusa, de caráter pessoal, em ser o “candidato natural” para a disputa ao governo do estado.
Fiel aliado de Lula, o ministro não fala abertamente sobre a pressão nem sobre os ajustes internos no partido e no governo para a disputa do próximo ano. Mas é possível ler nas entrelinhas e observar os fatos. As manifestações públicas do ministro – que é comumente citado entre petistas como um sucessor natural de Lula em 2030 -, as declarações de lideranças petistas e as do presidente na última reunião com ministros podem ajudar a entender melhor o que não foi anunciado publicamente.
A análise de um integrante da equipe de Haddad é de que sua permanência no cargo durante os três anos de governo conferiu um novo elemento que pode ser decisivo em 2026 na disputa com os candidatos da direita: a quebra, pelo menos em parte, da rejeição de setores da economia e de investidores da Faria Lima à sua política fiscal.
A resistência do mercado financeiro vem do fato de Haddad ser um “ministro ideologicamente” afinado com as bandeiras do PT, defensor de uma agenda social que representa, em geral, riscos fiscais. Os críticos do ministro apontam, como consequência desse pensamento, os gastos contabilizados fora da meta do arcabouço fiscal, que compromete a credibilidade das contas públicas, segundo especialistas.
Mas Haddad já é conhecido do mercado e permite alguma previsibilidade nas ações na área econômica, em um governo pressionado por demandas políticas, sociais e eleitorais. Nesse sentido, a troca na Fazenda cria um cenário de dúvidas para os analistas. Ao mesmo tempo, o PT demonstra crescente inquietação diante da hipótese de que ele não esteja na urnas em São Paulo em 2026, seja como candidato ao governo do estado ou ao Senado.
Respaldo
Haddad tem declarado o sentimento de “dever cumprido” com o governo e as metas de Lula. Ele demonstra cansaço com o cargo e certo desconforto em estar entre no fogo cruzado, em especial com aliados do PT e também dentro do governo. O líder do partido na Câmara, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), foi um dos que cobrou publicamente Haddad e sua candidatura em 2026 nesta semana. No início do governo, ao atacar a política fiscal implementada pelo ministro, o parlamentar o acusou de ter “feito um pacto com o diabo”. Nessa época, as desavenças internas ganharam destaque fora do partido. Mesmo sem dirigir a crítica pessoalmente a Haddad, o tom definia as dificuldades do PT em aceitar a política fiscal.
Além das divergências ideológicas, Haddad enfrentou um isolamento político considerado pelo seu entorno “incomum para um ministro da área econômica”. A tramitação das principais propostas da Fazenda no Congresso foram negociadas, em parte, sem respaldo efetivo do Planalto, segundo avaliação de interlocutores da equipe. O gabinete de Haddad sentiu falta de empenho político, desde o início do governo, com o ministro Alexandre Padilha na Secretaria de Relações Institucionais, e com sua sucessora no cargo, a ministra Gleisi Hoffmann.
A falta de suporte efetivo da Casa Civil, comandada pelo ministro Rui Costa, em disputas com o Congresso para passar projetos prioritários da agenda econômica do governo também teria pesado. Na prática, confidenciou um aliado, Haddad teve de “defender sozinho” suas propostas, frequentemente sob “fogo cruzado de aliados e adversários”.
Em momento tenso e delicado do governo Lula, logo após sequência de derrotas no Congresso, com destaque para a rejeição do aumento do IOF, Haddad foi um dos que ajudou o governo na reação política e passou a empurrar o debate para outro terreno. Saíram de foco políticas públicas consolidadas como marca dos governos petistas – como o Minha Casa Minha Vida, o ProUni e o Mais Médicos -, que têm retorno eleitoral limitado por estarem incorporados ao cenário político, apesar de relevantes.
A estratégia foi clara: recolocar no centro da agenda o tema da “justiça tributária” – sintetizado na chamada “taxação BBB” (bancos, bets e bilionários). Um integrante da cúpula do PT e do governo avalia, sob reserva, que Haddad ajudou o Planalto a “reorganizar sua base social”, em um momento em que o governo se via encurralado, com uma narrativa que tentou “deslocar o eixo do debate do gasto para a renda, e da defesa administrativa para o confronto distributivo”.
Disputa nacional
A dinâmica eleitoral também deve ser levada em conta. Lula mantém hegemonia no Nordeste, mas opera próximo ao seu teto, segundo analistas do partido. A direita conserva vantagem no Centro-Sul e no Sudeste, especialmente São Paulo, que se tornou o principal campo da disputa nacional, pelos cenários desenhados. Com a maioria do eleitorado brasileiro e como locomotiva da economia do país, as eleições 2026 no estado serão ainda mais decisivas, segundo a avaliação do aliado de Haddad.
Esse entendimento decorre, principalmente, de palanques frágeis em alguns estados, como Minas Gerais, e do teto atingido pelo PT com as bandeiras sociais de redistribuição de renda no país, fatores decisivos na última eleição presidencial principalmente no Nordeste – historicamente onde está a maior fatia de votos de Lula -, mas que perderam força estratégica para as campanhas petistas.
Haddad é o candidato mais bem votado da história da esquerda em São Paulo. Em 2022, perdeu com 44,70% dos votos do estado no segundo turno, contra Tarcísio de Freitas (Republicanos). Antes dele, o único petista que chegou ao segundo turno nas disputas pelo Palácio dos Bandeirantes foi José Genoino, em 2002, que obteve 41,36% dos votos contra o vencedor, Geraldo Alckmin, na época filiado ao PSDB. Em 2018, como candidato a presidente, Haddad conseguiu 32,03% no confronto com Jair Bolsonaro, que concorreu pelo PSL.
Para 2026, o PT dispõe de poucos nomes com densidade eleitoral comprovada no maior colégio eleitoral do país. O ministro da Fazenda é um deles, ao lado de Geraldo Alckmin (PSB), Guilherme Boulos (PSOL), Marina Silva (Rede), Márcio França (PSB) e, mais recentemente, Simone Tebet (MDB), todos aliados de Lula e com algum grau de competitividade no estado. Um força eleitoral que a esquerda nunca teve em São Paulo.
Na última semana o mercado reagiu ao conjunto de sinais do mundo político. Dois deles têm relação entre si ligados e serão determinantes em 2026: o anuncio da saída de Haddad e as incertezas com a substituição na Fazenda e eventual mudança radical de rumos; e o resultado da pesquisa com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à frente de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador paulista e ex-ministro e aliado de Bolsonaro, em determinados cenários da corrida presidencial. Não foram os únicos fatores, mas os dois reforçam a percepção de incertezas que pairam sobre os rumos políticos e econômicos do país e as palavras ditas – e as não ditas – por Haddad.
