Nem só fake news alimentam os problemas de comunicação do governo federal. Na pauta da comunicação oficial estão temas sensíveis sobre os quais o governo tem dificuldade para dialogar com a população e a visão técnica da equipe econômica se choca com a vida real.
A polêmica em torno dAs mudanças no Pix foi apenas um deles. A narrativa oficial de combate à sonegação bateu de frente com a visão das pessoas sobre as consequências da medida, que também foi turbinada por notícias falsas. Mas a inflação, por exemplo, é algo com poder de desgaste tão grande ou até maior ainda para o governo e tem custado caro nas pesquisas de avaliação do governo.
“A população tem uma visão não técnica sobre a inflação e isso cria um grande ruído no diálogo do governo”, argumenta Renato Meirelles, especialista em comportamento do consumidor e pesquisa de opinião e sócio do Instituto Locomotiva. Segundo Meirelles, como o consumidor se baseia na vida dele, nos preços que ele enfrenta no supermercado e no dia a dia, quando o governo fala de inflação controlada ou recuando fica a sensação de que isso não é verdade.
“O governo fala em desaceleração da inflação, o que para o consumidor passa a impressão de que há queda de preço e ele não vê isso. E, se por um lado, ele não entende a ‘inflação desacelerando’ do governo, por outro, o consumidor sabe muito bem o que é preço em alta”, explica.
Os números do próprio governo ilustram bem essa distorção entre o que é dito oficialmente e o que é percebido pela população. A inflação oficial medida pelo IPCA, em 2024, foi de 4,83%, só que para muitas famílias a sensação é o dobro ou até mais. E isso tem a ver com a cesta de consumo. Quanto menor a renda familiar, maior o peso da inflação.
O IPCA mede a variação do custo de vida médio das famílias brasileiras com renda mensal de até 40 salários mínimos (cerca de R$ 61 mil). Segundo o IBGE (Instito Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável pela coleta dos dados e cálculo do índice, os maiores impactos na inflação do ano passado vieram do grupo “alimentação e bebidas”, que registrou aumento de 7,69% no ano e respondeu por 1,63 ponto percentual do índice de total de 4,83%.
Além disso, os grupos “saúde e cuidados pessoais”, com alta de 6,09% no ano, e “transportes”, com 3,3%, também pesaram no dia dos brasileiros em 2024. Juntos, esses três grupos, de um total de nove, respondem por 65% do índice oficial de inflação e formam as principais despesas no orçamento familiar no país.
Lula, picanha e cerveja
Analisando alguns itens individualmente dentro dos grupos que compõem o IPCA fica claro por que aquilo que o governo fala parece totalmente descolado do que o que as pessoas vivem. Ao todo, os nove grupos que formam o índice incluem 377 subitens. Entre eles, a gasolina foi um dos vilões em 2024, com alta de 9,71%. O café moído aumentou 39,04%, a carne disparou 20,84%, maior alta em cinco anos.
Nesse caso, o consumidor não teve muita alternativa já que os chamados “cortes de segunda” pesaram tanto quanto os “de primeira”: o contrafilé subiu 20%, enquanto o acém teve alta de 25,2% e patinho, 24%. A alta no preço da carne é um problema para o presidente Lula. Durante a campanha eleitoral, ele disse que, se fosse eleito para um terceiro mandato, a população voltaria a “comer picanha e tomar cerveja”.
Além disso, quanto menor a renda, maior o peso da alimentação no orçamento familiar, já que o que os técnicos chamam de cesta de consumo é mais limitada. Com isso, se o que boa parte das pessoas compram no dia a dia está aumentando de preço, a percepção de inflação descola do discurso oficial.
E isso alimenta um sentimento de descrédito e uma percepção de piora nas condições de vida. Pesquisa realizada pelo Datafolha e divulgada no início deste mês aponta que 61% dos brasileiros acham que a economia está no caminho errado e 67% acreditam que a inflação vai piorar em 2025.
Enquanto isso, o governo fala, nas propagandas oficiais, que a vida está melhorando e que a inflação está sob controle. Pesquisa Quaest realizada em dezembro, mostrou que para 68% dos pesquisados o poder de compra dos brasileiros piorou em relação a 2023.
Além disso, para 78% dos entrevistados o preço dos alimentos havia aumentado na comparação com o mês anterior. E mesmo diante de indicadores favoráveis no mercado de trabalho, com menor nível de desemprego, para 61 dos entrevistados o patamar financeiro atual está abaixo do esperado. Essa percepção é maior entre os mais jovens (entre 16 e 34 anos de idade): 66%, patamar muito próximo dos 60% registrados entre a população na faixa etária de 35 a 59 anos.
Não é à toa que o publicitário Sidônio Palmeira, novo titular da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), destaca a inflação como um grande desafio em sua missão de tentar melhorar a imagem do presidente e do governo.