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BC numa mão, ministros em outra: o choque entre frear crédito e turbinar consignados

Enquanto o Copom discutia alta da Selic para segurar empréstimos e desacelerar a economia, o ministros Fernando Haddad e Luiz Marinho anunciavam o objetivo de triplicar o volume de crédito consignado

O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Foram 11 horas e 36 minutos de debates nos últimos dois dias (6 horas e 9 minutos na terça, 28, e 5 horas e 27 na quarta, 29) entre os nove diretores que integram o Copom (Comitê de Política Monetária), que define a trajetória de juros no país. O objetivo: calibrar a alta necessária na Selic, que irá frear a economia o suficiente para controlar a inflação em 2025. Um dos principais canais de transmissão das decisões do Copom para o mundo real é o mercado de crédito. Ao desacelerar as concessões de empréstimos e financiamentos, o comitê do Banco Central diminui um importante incentivo para o crescimento do nível de atividade.

Enquanto a discussão se encaminhava para os detalhes finais no BC, do outro lado da cidade, no Palácio do Planalto, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), ao lado do seu colega ministro Luiz Marinho (Trabalho) e de representantes de bancos, anunciava a meta de triplicar o volume de crédito consignado para R$ 120 bilhões, reduzindo o custo dessas operações.

Em poucos minutos, Haddad e Marinho anunciaram uma medida que joga contra o trabalho do BC. Afinal, o que o ministro apresentou como um mecanismo para “democratizar o crédito barato” é tudo o que o BC não precisa.

Basta ver o comunicado final da primeira reunião do Copom da gestão de Gabriel Galípolo, pupilo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e até recentemente número dois de Haddad na Fazenda, como presidente do Banco Central. Os diretores cumpriram o acertado no final de 2024: elevaram a Selic, taxa referência para a economia, em 1 ponto percentual, para 13,25% ao ano, é reafirmaram mais um alta de juros, na mesma magnitude, na reunião de março. A partir daí, indicaram que o tamanho do aperto nos juros vai depender do comportamento dos preços, das expectativas em relação ao futuro e, em especial, de como a economia vai reagir às altas promovidas até então.

Do lado do BC, os diretores ressaltam que há um “firme compromisso de convergência da inflação à meta”. O recado vai direto para investidores e analistas que querem ver para crer qual será a postura de Galípolo e da nova diretoria que, neste ano, passa a ser majoritariamente formada por indicados do presidente Lula. Além de reafirmar que vai priorizar o controle dos preços, o Copom deixa em aberto a possibilidade de seguir aumentando os juros na reunião prevista para maio, a depender “da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”.

Entre esses “componentes” está o mercado de crédito consignado que Haddad anunciou que pretende triplicar e na “dinâmica da inflação” pode-se incluir o impacto de uma alta de combustível que anunciada pela Petrobras, além da pressão da disparada no preço de vários alimentos. Já nas “expectativas” pesam a visão de agentes econômicos sobre: i) a falta de coordenação interna do governo; e ii) os interesses divergentes entre a equipe econômica e o PT, o partido do presidente Lula, e vários ministros.

É uma conjugação de fatores que impediu a implementação de medidas defendidas pela equipe econômica no pacote fiscal do final de 2024. Além disso, nesta quarta-feira, 29, após o anúncio do Copom, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse nas redes sociais que o aumento dos juros “foi péssimo para país” e que está desconectado dos fundamentos da economia, reforçando a visão de bate-cabeças.

O mercado financeiro cobra de Haddad medidas fiscais que sinalizem uma economia dos gastos suficiente para estancar o crescimento da dívida pública no médio prazo. A alta da cotação do dólar em 2024, que saiu de um patamar de R$ 5 e saltou para R$ 6,30 no final do ano, alimenta uma dinâmica de inflação que exige do BC uma atuação mais forte.

Nesta quarta-feira, analistas projetavam que os juros podem chegar próximo de 16% ao ano até dezembro. A avaliação é que o governo já antecipou a disputa eleitoral de 2026 e, dificilmente, irá adotar medidas mais duras de controle dos gastos públicos, o que poderia ajudar a reverter as expectativas negativas. Como o ajuste fiscal anunciado pelo ministro Haddad no final do ano passado não é visto como suficiente, acredita-se que ele vai entregar a meta fiscal em 2025, mas com os juros em alta, a dívida em crescimento e a inflação ainda no teto da meta, o governo não conseguirá gerenciar as expectativas.

Para o ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá, a percepção no mercado é que há tempo para o governo apertar no controle das contas públicas neste ano e conseguir faturar com a melhora na economia gerada por esse comportamento a partir de 2026. “Espaço tem, mas o governo não quer”, afirmou. Ele acredita que o ministro Haddad defende essa ideia, mas não consegue defendê-la com sucesso. “O ministro não consegue implementar uma agenda que é dele também.”

Vem daí, para Figueiredo, a avaliação feita pelo presidente nacional do PSD e uma das lideranças políticas mais fortes da atualidade, Gilberto Kassab, sobre a figura de Haddad. Em evento com investidores e banqueiros, ele afirmou que Haddad é um “ministro fraco” e que não consegue comandar. “É verdade. Essa é a visão do mercado hoje. Todos queriam que Haddad fizesse mais do que ele não tem conseguido”, prosseguiu o ex-diretor do BC.

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