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Contratos de meio bilhão com multinacional põem governo sob questionamento

Acordos foram feitos com a Funai e com os ministérios dos Povos Indígenas e da Saúde, para a locação de aviões e aeronaves em áreas da Amazônia

A Ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas
Foto: Lula Marques/Agência Brasil.

O governo federal firmou contratos no ano passado com a multinacional Ambipar, que atua na área de gestão ambiental, no total de R$ 480,9 milhões, para prestação de serviços em territórios indígenas, como locação de helicópteros e aviões monomotores. Os termos foram assinados com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e com os ministérios dos Povos Indígenas e da Saúde. Três desses contratos foram fechados sem licitação.

A Ambipar é uma multinacional brasileira, fundada em 1995 e tida como referência em gestão ambiental. Ela atua na gestão de resíduos, no tratamento e reciclagem de materiais, na resposta a acidentes com produtos químicos e poluentes, em emergências ambientais e em desastres naturais.

O Ministério dos Povos Indígenas e a Ambipar assinaram também um acordo, durante o Forum Econômico Mundial, na cidade suíça de Davos, em janeiro, para promover ações voltadas ao desenvolvimento sustentável e para prevenção às emergências climáticas em terras indígenas. Essas ações serão desenvolvidas em uma área de aproximadamente 14% do território brasileiro, que é equivalente à soma dos territórios da França e da Inglaterra.

Um protocolo de intenções do Ministério dos Povos Indígenas, comandado pela ministra Sônia Guajajara (foto), com a Ambipar para a realização dessas ações tem sido alvo de críticas de opositores do governo Lula.

Eentre os contratos firmados com o governo federal, apenas um, com a Funai, celebrado no dia 6 de dezembro de 2024, totaliza R$ 266,7 milhões. A Ambipar assumiu o compromisso de oferecer “serviço logístico de transporte de cestas de alimentos, equipamentos, insumo e pessoas” por meio de aeronaves.

Pelos termos estabelecidos, a empresa deverá entregar alimentos e insumos a 27 mil indígenas Yanomami e Ye’kwana. A área de atuação soma 9,6 milhões de hectares, abrangendo oito municípios dos estados do Amazonas e Roraima. Nove empresas participaram da concorrência e a Ambipar, que apresentou o segundo menor preço, foi a escolhida.

Há um outro negócio entre o mesmo órgão e a Ambipar, de 10 de outubro de 2024, no valor de R$1,2 milhão, também para a locação de aeronaves, com o objetivo de atender a Coordenação Regional do Alto Solimões. Segundo a Funai, a definição foi feita por meio de pregão eletrônico.

Com o Ministério dos Povos Indígenas, o contrato, de março de 2024, soma R$ 185,9 milhões, também com dispensa de licitação, para a locação de aviões e helicópteros no território yanomami. A alegação para a dispensa foi a situação degradante dos indígenas da região, que estariam enfrentando problemas de saúde ocasionados pela contaminação, devido ao garimpo ilegal.

Já o Ministério da Saúde locou aeronaves por meio da Ambipar para atender territórios indígenas no Alto Rio Juruá e no Alto Solimões. Foram dois contratos - o primeiro de R$ 5,5 milhões e o segundo, de R$ 5,8 milhões, ambos também sem licitação.

Procurado, o Ministério dos Povos Indígenas informou que o contrato firmado com a empresa Ambipar “foi feito após pregão público realizado em 9 de fevereiro (aviso de Contratação nº 9002/20 24) e assinado em 18 de março de 2024”. O objetivo, de acordo com o ministério, foi “a contratação de serviços comuns de empresa especializada na locação de aeronaves de asa fixa e de asa rotativa (helicópteros) para subsidiar as  atividades de apoio logístico às ações de distribuição de cestas de alimentos para atender a situação emergencial na Terra Indígena Yanomami”.

O Ministério da Saúde, por meio da SESAI (Secretaria de Saúde Indígena), esclareceu que as contratações seguiram rigorosamente os dispositivos estabelecidos pela lei que regulamenta as normas de licitações e contratos administrativos na administração pública.

De acordo com o ministério, as contratações “foram efetivadas por meio da adesão às atas de registro de preços, um procedimento previsto na legislação vigente que permite a utilização de atas já formalizadas por órgãos e entidades que não participaram da licitação original”.

Ainda segundo a pasta, esse mecanismo visa garantir celeridade, economicidade e eficiência, otimizando a gestão de recursos públicos e assegurando a prestação contínua dos serviços essenciais. A nota termina assim: “O Ministério reforça seu compromisso com a transparência e a legalidade em todas as contratações realizadas, garantindo que os processos sejam conduzidos de maneira responsável para atender às demandas da população indígena com a máxima eficiência”.

Governo rebate
Após a celebração do protocolo de intenções entre a Ambipar e o Ministério dos Povos Indígenas para ações de desenvolvimento sustentável e prevenção às emergências climáticas em terras indígenas, começou a circular um vídeo em redes sociais com a afirmação de que o governo estava transferindo a gestão de terras indígenas para a iniciativa privada. A peça foi gravada pelo Padre Kelmon, personagem que ficou conhecido em 2022 como candidato a presidente da República pelo PTB. O governo federal divulgou uma nota negando e classificando as afirmações como "fake news".

“Não é verdade que o governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, tenha transferido a gestão de terras indígenas para a iniciativa privada. A Constituição Federal determina que as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis”, diz nota da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência).

Segundo o governo, o acordo firmado pelo Ministério dos Povos Indígenas com a empresa Ambipar trata de um compromisso preliminar, estabelecido por meio de um protocolo de intenções. “Esse instrumento, amplamente utilizado na gestão pública, não implica transferência de verbas públicas ou de responsabilidades do Estado. Diferentemente do que peças de desinformação propagam, o acordo não configura concessão de terras indígenas, não dependendo de licitação ou concorrência para tal."

“A assinatura do protocolo está em consonância com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída pelo Decreto nº 7.747/2012, construída com ampla participação dos povos indígenas. A PNGATI busca reconhecer e apoiar as práticas de gestão ambiental e territorial já conduzidas pelos povos indígenas”, afirma ainda a nota.

Deputado pede apuração
Por outro lado, o deputado Filipe Barros (PL-PR) disse em postagem nas redes sociais que, entre junho e dezembro de 2024, o valor das ações da Ambipar chegou a crescer mais de 3.200%. “Cerca de um mês antes de o acordo ser assinado, o valor das ações cresceu 94% em três dias, (uma) flutuação muito atípica. Isso nos permite suspeitar que possam ter vazado informações sobre o contrato – o mesmo que não foi debatido com a sociedade e pegou a todos de surpresa”, afirmou o parlamentar.

Barros diz ser preocupante “uma empresa privada passar a tomar decisões sobre uma área maior que a soma das áreas da França, da Inglaterra e da Alemanha juntas”, principalmente por ser “uma área rica em biodiversidade e minério, cobiçada por muita gente”.

O deputado anunciou que está pedindo providências para diversos órgãos e instituições para a apuração do caso. “Pedi ao governo federal a íntegra dos contratos assinados e acionei o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União, o Conselho de Defesa Nacional, o Ministério da Defesa e o Comando do Exército”, afirmou. Ele disse também ter acionado a CVM (Comissão de Valores Imobiliários) para investigar supostas movimentações atípicas nas ações da Ambipar.

Procuradas, a Funai e a Ambipar não deram resposta aos pedidos de informação do PlatôBR até o início da noite desta terça-feira, 5. A Ambipar informou inicialmente que iria se manifestar, mas não enviou a nota prometida.

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