O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), atuou junto aos ministros do STF para tentar derrubar a chamada ADPF das Favelas, arguição de descumprimento de preceito fundamental que faz uma série de exigências para reduzir a letalidade das ações policiais, principalmente nas comunidades carentes. Paes chegou a distribuir um vídeo sobre um bairro que teria passado a ser controlado geograficamente pelos criminosos depois das primeiras decisões tomadas pelo ministro Edson Fachin, relator da ação.
Nada indica que a tentativa de Paes de influenciar na tramitação tenha surtido o impacto desejado. Terminada a sessão, o julgamento foi suspenso por um período de três semanas a um mês, a pedido do próprio relator, para que os colegas possam refletir e chegar a uma decisão de consenso. A tendência é que, com mudanças pontuais, a decisão agora em vigor seja mantida.
A entrada de Paes no debate chegou a preocupar os advogados que entraram com a ação, por causa do perfil do prefeito, que tem boa circulação entre os ministros - a reação, até então, estava mais concentrada nos políticos de extrema direita. Mas uma frase dita pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, mostra como os integrantes da corte não se sensibilizaram tanto assim com a movimentação dele. “A política é o ofício de colocar a culpa nos outros”, ironizou, referindo-se à declaração de Paes segundo a qual, em razão da decisão do STF de limitar as ações policiais nas favelas, o Rio havia virado um "resort para delinquentes".
Na reação à ADPF, Paes se juntou a um adversário político, o governador Cláudio Castro (PL), que chegou a participar pessoalmente da audiência no STF para se manifestar contra as medidas tomadas pelo tribunal ao longo de seu mandato.
Em um plenário com dezenas de famílias de vítimas de violência policial, boa parte delas negras, Fachin leu nesta quarta, 5, o que definiu como a “apresentação de seu voto”. O texto, de 60 páginas, resumiu as mais de 180 páginas do voto em si. Nela, o ministro rebateu com uma série de números os argumentos usados pelos políticos para atacar a ADPF. Nos cinco anos de cumprimento das decisões liminares, tomadas por Fachin e chanceladas pelo plenário, houve uma redução do número de pessoas mortas pela polícia, mas também de policiais mortos em trabalho e de crimes violentos. O ministro mostrou ainda que o número de ações policiais aumentou e não caiu como dizem os críticos.
Fachin entregou o voto completo para os colegas em meados de janeiro. Alguns deles chegaram a fazer anotações no texto enquanto o colega lia seu relatório. Outros, como o decano Gilmar Mendes, Flávio Dino, Luiz Fux e Alexandre de Moraes fizeram perguntas e observações em apartes.
Barroso sugeriu que as observações sejam encaminhadas a Fachin e depois, em um almoço, os ministros negociem um texto final. “Um tema complexo como este não pode ser decidido na base do sim ou não”, defendeu.
No voto, Fachin sugere a manutenção dos instrumentos de controle de letalidade, de proteção às comunidades (em especial, escolas, creches, hospitais e postos de saúde), pede ferramentas que garantam investigações independentes dos crimes cometidos durante operações e mantém a obrigatoriedade de justificativas para operações e para o uso de aeronaves para disparo de tiros.
Dois pontos apresentados por Fachin agradaram em especial os autores da ação: i) a criação de um comitê – com a participação do Ministério Público do Rio, da Defensoria Pública e de representantes do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) – para garantir que as ações sigam os preceitos constitucionais; e ii) a proposta de afastamento e acompanhamento psicológico de policiais envolvidos em ações com mortes. Um estudo apresentado ao STF nos autos da ação mostra que seriam retirados da rua apenas 0,7% do efetivo das polícias, um número pequeno mas que abrange responsáveis por mais de metade das mortes.
Se depender do ministro Gilmar Mendes, a derrota de Paes e Castro pode ser ainda mais amarga. O decano defendeu a federalização do combate ao crime organizado que conta com domínio territorial. Gilmar sustentou que é inconcebível naturalizar que existam áreas dominadas por facções criminosas e disse que a Polícia Federal e outros órgãos da União, como a Receita Federal e o Coaf, teriam melhores ferramentas para derrotar esse tipo de crime.
Como exemplo dessa suposta maior capacidade da Polícia Federal, o decano do STF mencionou a elucidação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes.