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A porta aberta pelo STF para punir responsáveis por desaparecimentos na ditadura

Supremo forma maioria para reconhecer repercussão geral de julgamento que vai decidir se anistia de 1979 contempla agentes que sumiram com corpos de adversários do regime militar

Ministro Flávio Dino, do STF
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O STF deu esta semana um passo importante para a revisão do entendimento que prevaleceu até hoje sobre a Lei da Anistia, de 1979. O plenário virtual da Corte formou maioria nesta terça, 11, para reconhecer a repercussão geral do julgamento, ainda sem data marcada, que vai decidir se o perdão concedido para os perseguidos pela ditadura deve contemplar também os responsáveis pelos desaparecimentos das vítimas. Caso haja mudança de interpretação, estará aberto o caminho para a punição dos agentes da repressão que sumiram com os corpos de 210 adversários do regime militar.

O atual julgamento não alcança o mérito do caso concreto, em que o Ministério Público Federal tenta responsabilizar o coronel do Exército Lício Maciel pelos desaparecimentos de guerrilheiros do Araguaia (o outro réu do caso, o major Sebastião Curió, morreu em 2022, antes da conclusão do processo). Na floresta, são cerca 60 desaparecidos.

Relator do caso, o ministro Flávio Dino defende que a ocultação de cadáver não pode ser abarcada pela Lei da Anistia por ser um crime continuado, ou seja, só termina quando o corpo da vítima for localizado e identificado. Para Dino, acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário tratam o desaparecimento forçado como um crime permanente.

Dino cita como exemplo o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva, cuja história é contada no filme Ainda Estou Aqui, que concorre ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Filme em Língua Estrangeira e Melhor Atriz (para Fernanda Torres pelo papel de Eunice, esposa do político). Dois dos cinco militares acusados pelo desaparecimento de Paiva ainda estão vivos, o general José Antônio Nogueira Belham e o major Jacy Ochsendorf e Souza.

Dino lembra ainda do remador Stuart Angel, que jamais teve o corpo localizado. Sua mãe, a estilista Zuzu Angel, denunciou o caso ainda durante a ditadura e morreu sob circunstâncias misteriosas. Outro caso emblemático é o das ossadas encontradas, em 1990, na vala clandestina do cemitério de Perus, na zona noroeste da capital paulista. Quase 25 anos depois, a maioria das ossadas não foi identificada. Além do relator, até o momento, votaram pela repercussão geral os ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Carmen Lúcia, Alexandre de Moraes e Edson Fachin.

Para o diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, a decisão do STF aumenta a pressão sobre o ministro Dias Toffoli, relator da ADPF 320, que tramita desde 2014. A ação tenta derrubar a anistia nos casos de desaparecimento forçado, tortura e assassinato. A fundamentação usada nesta nova ação, de desrespeito a tratados dos quais o Brasil é signatário, não foi analisada na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) anterior, de 2010.

Sottili considera necessária uma nova interpretação da anistia. “O momento é muito propício, até pela participação dos militares na tentativa de golpe investigada pela PF e nos atos de 8 de janeiro de 2023", afirma.

A anistia ampla de 1979 foi confirmada na Constituição de 1988 e em uma decisão de 2010 sobre a ADPF 153, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

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