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De aliado dos EUA a vítima da CIA: a nova narrativa de Bolsonaro

Bolsonaro, que idolatra os Estados Unidos, agora culpa os americanos por sua derrota

Foto: Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Jair Bolsonaro sempre teve uma relação, digamos, criativa com os princípios democráticos. Depois de passar anos desdenhando dos direitos humanos, minimizando torturas e exaltando ditaduras, agora ele os redescobriu – mas apenas quando servem para pedir anistia aos golpistas de 8 de Janeiro.

E agora, num novo capítulo da saga pela autopreservação, Bolsonaro voltou ao figurino de nacionalista e passou a crítico da interferência estrangeira. Sim, o mesmo ex-presidente que passou anos cortejando Washington, elogiando Donald Trump, batendo-lhe continência e abrindo mão da soberania brasileira para agradar aos Estados Unidos, agora denuncia uma suposta conspiração da CIA para impedir sua reeleição.

Segundo ele, os americanos, por meio da USAID, agência americana voltada para a assistência internacional, ajudaram a “desinformar e perseguir a Direita”, um conceito inovador, já que a desinformação sempre foi uma das especialidades do bolsonarismo.

Bolsonaro enviou há pouco para contatos no seu WhatsApp a seguinte mensagem:

O vídeo reproduzido por Bolsonaro é um trecho do programa "Estúdio i", da Globonews, em 21 de junho de 2023. E ele não comprova coisa alguma sobre suposta interferência da CIA nas eleições brasileiras. A correspondente do canal em Washington, Raquel Krähenbühl, aparece no vídeo relatando o conteúdo de uma reportagem publicada naquele dia pelo jornal "Financial Times" sobre uma "campanha silenciosa" de autoridades americanas nos bastidores, iniciada em 2021, para que o resultado da eleição de 2022 no Brasil fosse respeitado.

Segundo a reportagem do jornal, a Casa Branca, o Departamento de Estado, o diretor da CIA e oficiais do Pentágono agiram nesse sentido. O "Financial Times" ouviu do ex-embaixador americano no Brasil Michael McKinley, cuja missão em Brasília foi de 2017 a 2018, que não se tratava de apoiar um candidato, mas fazer o processo eleitoral funcionar e ser respeitado.

Na mesma mensagem, Jair Bolsonaro compartilhou o que tem sido a fantasia conspiratória mais difundida pelos bolsonaristas nos últimos dias: declarações de Michael Benz, funcionário do Departamento de Estado dos EUA durante o primeiro governo de Donald Trump. Sem apresentar provas, Benz disse ao podcast "War room", do estrategista político e ex-assessor de Trump Steve Bannon, que se a USAID não existisse, Bolsonaro ainda seria o presidente do Brasil. As declarações foram dadas no último dia 4.

A tal intervenção via USAID teria sido para financiar projetos contra Bolsonaro. Os projetos, muitos deles em ONGs, eram a favor da democracia, não contra Bolsonaro. Eram contra a desinformação, não contra Bolsonaro. Eram contra discursos de ódio. Não contra Bolsonaro. Se o ex-presidente vestiu a carapuça, o problema não é da USAID ou das ONGs.

No fim das contas, sua retórica não tem nada a ver com democracia, soberania ou justiça. Tem a ver com desviar o foco das acusações contra ele e manter sua base mobilizada. Se para isso for preciso posar de defensor dos direitos humanos ou de patriota contra a ingerência externa, que seja. Afinal, coerência nunca foi seu forte.

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