Homologada pelo STF em setembro de 2023, a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro na Presidência da República, teve o sigilo derrubado nesta quarta-feira, 19, pelo ministro Alexandre de Moraes. Apesar de terem sido parcialmente revelados pela imprensa nos últimos meses, os depoimentos, agora exibidos em conjunto, trazem à tona elementos para sustentar a tese da PGR (Procuradoria-Geral da República) de que no coração do governo Bolsonaro foi enredada uma trama golpista com potencial para ameaçar o regime democrático.
Embora seja um pilar importante da denúncia apresentada ao Supremo pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, a delação de Cid constitui apenas uma das provas que compõem as investigações. Os conteúdos dos depoimentos ainda dependem de comprovação na nova fase investigativa - ou seja, a ação penal, que será aberta se o STF receber a denúncia em julgamento na Primeira Turma.
As novidades apresentadas ao público a partir da queda do sigilo da delação corroboram o que já se sabia: Cid contou à Polícia Federal que Bolsonaro não apenas sabia da trama golpista, como se esforçou para colocá-la em prática. Ainda assim, os depoimentos não são mais do mesmo. Os detalhes que vieram à luz são capazes de conferir mais credibilidade à denúncia da PGR. Não à toa foram revelados no dia seguinte à chegada da acusação do STF.
Confira abaixo as principais novidades trazidas pelo fim do sigilo da delação de Mauro Cid:
Minuta do golpe
De acordo com Cid, o próprio Bolsonaro apresentou a chamada minuta do golpe ao então comandante da Operações Terrestres do Exército, general Estavam Theóphilo. O ex-ajudante de ordens confirma que o documento teria como objetivo reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022, vencidas por Lula. Cid conta, ainda, que após a reunião ouviu do general Theóphilo que, se Bolsonaro assinasse o decreto, as Forças Armadas iriam cumprir.
Faltou apoio
Mauro Cid afirmou em depoimento que acredita que Bolsonaro só nao assinou a minuta do golpe redigida pelo assessor Felipe Martins porque não contou com o apoio dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Familiares pró-golpe
O delator contou à PF que, após a derrota eleitoral em 2022, os conselheiros de Bolsonaro se dividiam entre radicais, conservadores e moderados. A ala mais radical, que defendia um golpe de Estado com armas, teriam como principais representantes a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e um dos filhos do então presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Nenhum dois dois foi alvo de denúncia por parte da PGR. Ainda segundo Cid, também compunham o grupo mais radical os ex-ministros Onyx Lorenzoni e Gilson Machado, os senadores Jorge Seif (PL-SC) e Magno Malta (PL-ES) e o general Mário Fernandes. Os três primeiros não foram denunciados. Fernandes, sim.
Deixa disso
No extremo oposto, um grupo de aliados aconselhava Bolsonaro a aceitar o resultado das urnas e deixar o poder de forma pacífica. Segundo Cid, essas pessoas eram o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do então presidente, o ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU) Bruno Bianco, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o brigadeiro Batista Junior, então comandante da Aeronáutica.
Advogado de Bolsonaro procurou Cid
Cid contou à PF que Fábio Weingarten, advogado e assessor de Bolsonaro, tentou obter informações sobre a delação premiada por meio do pai e da esposa do depoente. Por esse mesmo motivo, o general Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, foi preso em dezembro passado.
Cartão de vacina
O delator afirmou que recebeu ordem expressa de Bolsonaro para falsificar os cartões de vacina contra a Covid-19 dele e da filha. Em seguida, teria entregue o documento adulterado impresso pessoalmente ao então chefe. Segundo Cid, o objetivo era ter o cartão falso para uma necessidade qualquer, como viagens, por exemplo. Tramita no STF uma investigação específica sobre esse episódio. A PGR não apresentou denúncia contra Bolsonaro nesse caso, mas ainda pode tomar essa providência se considerar que há elementos suficientes para sustentar a abertura de uma ação penal sobre o caso.
Joias sauditas
Cid contou na delação premiada que repassou US$ 86 mil em espécie, de forma parcelada, a Bolsonaro. O dinheiro seria proveniente da venda de joias e relógios de luxo recebidos de presente pelo governo da Arábia Saudita. Também sobre esse caso, tramita no STF uma investigação específica, que ainda não foi alvo de denúncia da PGR.
Ataques ao STF
Ainda segundo a delação, Bolsonaro “encaminhava diretamente” ataques a ministros do STF em mensagens. Cid também afirmou que o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, controlava as redes sociais dele. Bolsonaro também manuseava o próprio celular. Outra investigação contra o ex-presidente, sobre ataques ao Supremo e a ministros do tribunal, tramita no STF.