PODER E POLÍTICA. SUA PLATAFORMA. DIRETO DO PLANALTO

A batalha por hegemonia entre os grandes grupos evangélicos

Grupo de Silas Malafaia e líderes da Assembleia de Deus Madureira brigam para ampliar influência entre fiéis e, com isso, também ganhar capital político na sucessão presidencial

Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A eleição para a escolha do novo presidente da bancada evangélica, em fevereiro, teve como pano de fundo uma disputa entre dois grupos evangélicos de peso que brigam para definir qual deles é o mais influente e tem maior representatividade atualmente no país. Essa queda de braço por espaço pode interferir diretamente nos planos do governo Lula de aproximação com os evangélicos, de olho nas eleições de 2026.

A disputa está dividida entre dois grandes grupos. De um lado está o pastor Silas Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que pretende se consolidar como um porta-voz dos evangélicos e saiu vitorioso do primeiro embate com a eleição do pastor e deputado Gilberto Nascimento (PSD-SP) para presidente a bancada. Do outro está a família Ferreira (o pastor Manoel Ferreira, e seus filhos, Samuel e Abner), que comanda a Assembleia de Deus Madureira e esteve ao lado da campanha derrotada do pastor e deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), nome preferido do governo.

Manoel Ferreira, ex-deputado, é presidente vitalício da Convenção Nacional das Assembleias de Deus e bispo-primaz da Assembleia de Deus Madureira. Seu filho Samuel é presidente-executivo da Convenção Nacional das Assembleias de Deus, que reúne os vários ministérios e ramos da denominação. A Assembleia de Deus é a maior denominação evangélica do país, com 12,3 milhões de fiéis, segundo o Censo do IBGE de 2010 (o último número oficial).

O pastor Samuel Ferreira tem prometido investir pesado na próxima disputa eleitoral a fim de eleger um grande número de parlamentares da Assembleia, conforme o PlatôBR mostrou em janeiro. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (Republicanos), que esteve preso em decorrência da Operação Lava Jato (posteriormente a punição foi anulada) e foi cassado em 2016, é um desses candidatos e pretende voltar ao Congresso em 2026, concorrendo por Minas Gerais e com o apoio do clã Ferreira.

Na eleição para o comando da bancada evangélica, Nascimento teve o apoio de Malafaia e também do ex-presidente da República Jair Bolsonaro.  O nome de Otoni foi defendido pelo pastor e deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), que estava na presidência da bancada evangélica, e do pastor e deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). Os dois também integram a Assembleia de Deus. Otoni, Silas Câmara e Cezinha são mais próximos, hoje, do governo Lula.

O grupo de Otoni propunha um diálogo melhor com o governo, até para tentar o apoio do Planalto para a aprovação de pautas conservadoras. O governo Lula contava com a vitória do deputado também para melhorar a sua relação com os evangélicos.

O troco de Malafaia
Com a vitória de seu grupo na bancada evangélica, Malafaia deu um troco na família Ferreira. Os líderes da Assembleia de Deus Madureira apoiaram a indicação em 2021 de André Mendonça, apresentado como “terrivelmente evangélico” por Jair Bolsonaro, para o STF. Poucos antes de sua indicação, Mendonça havia se reunido com Manoel e Abner Ferreira, e com o deputado Cezinha de Madureira, numa churrascaria no Rio de Janeiro. O grupo de Malafaia apoiou, à época, a indicação do desembargador William Douglas, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, pastor da Igreja Batista Getsêmani. Mas William foi preterido por Bolsonaro.

“Com essa vitória agora na bancada evangélica, o Malafaia se cacifou mais um pouco no espaço público e aumentou o seu poder de barganha”, avalia o pastor Sergio Dusilek, da igreja Batista de Marapendi. “Vai ter um endurecimento nas relações com o governo agora, com uma influência direta do Bolsonaro”, acrescenta.

Samuel Ferreira pretende adquirir rádios pelo país e alugar espaços em programações de outras emissoras a fim de ceder horários para pastores de igrejas menores em troca de apoio à campanha de candidatos da Assembleia de Deus. Manoel Ferreira, o pai de Samuel, recebeu o presidente Lula no Rio de Janeiro em 2021 (foto) já em campanha eleitoral. Ele apoiou o petista em 2006 e seguiu com Dilma Rousseff (PT) em 2010, mas se alinhou à campanha de Jair Bolsonaro em 2018. Em 2022, a Assembleia de Deus Madureira apoiou novamente Bolsonaro, apesar de ter feito acenos a Lula.

Enquanto o plano dos Ferreira é preparar políticos, elegendo-os e depois exercendo influência sobre eles, a estratégia de Malafaia é  atuar ao lado de políticos tradicionais. A maioria deles hoje identificada com o bolsonarismo, grupo político com o qual o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo se identifica. Ele foi um dos organizadores da manifestação realizada neste domingo, 16, no Rio de Janeiro, para defender anistia para os envolvidos no 8 de Janeiro. O ato contou com a presença de Jair Bolsonaro.

“O Malafaia pega uma fatia de políticos já prontos. Ele atua mais junto às lideranças partidárias e procura atrair políticos para as suas comunidades. Também se utiliza do seu poder midiático e do seu poder discursivo. Há uma diferença de abordagem importante entre eles”, observa o teólogo Fábio Py, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Político do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).

Malafaia também tem construído mais templos de sua igreja pelo país e tem se dedicado mais à formação de seus religiosos. “Essa disputa, Malafaia versus família Ferreira, é sobre o setor da Assembleia de Deus que vai ser hegemônico", diz Py.

search-icon-modal