Muita gente da política parou para refletir sobre as intenções de Lula em anunciar o nome da deputada Gleisi Hoffmann (PR-PR) como ministra da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), órgão responsável pela articulação política do governo, tanto no Congresso quanto em relação ao Judiciário e a outras esferas da federação. A presidente do PT, que deixará o cargo para assumir a vaga, é tida por políticos do Centrão, grupo que domina as duas Casas legislativas, como dura nas negociações e, ao nomeá-la, Lula estaria radicalizando, dobrando a aposta.
Com Gleisi, Lula fortalece o PT e as forças de esquerda e é um sinal de que não se considera em risco, por exemplo, de que políticos de centro embarquem em uma pauta defendida pela direita de deslancharem um processo de impeachment contra ele.
Lula também indica que cansou de buscar a chamada governabilidade agradando demais o fisiologismo do Centrão. A estratégia comprovadamente não deu certo nos tempos de Arthur Lira (PP-AL), líder maior do grupo, na Presidência da Câmara. O governo cedeu espaço na Esplanada para partidos como o União Brasil, Republicanos, PSD e PP, mas essas legendas, mesmo recebendo ministérios, não se obrigaram a votar a favor das matérias de interesse do governo. Se a governabilidade foi ruim até agora, vai continuar do mesmo jeito e vai assim até o final.
A nomeação de Gleisi para a SRI, pelo menos no primeiro momento, indica ainda que Lula desistiu de construir uma aliança política para 2026 usando a reforma ministerial. Isso ocorre diante de ameaças diárias de desembarque ou mesmo da aposta do Centrão em outros projetos políticos, após Lula demorar para anunciar a troca de nomes.
Uma das queixas que chegaram ao Planalto no ano passado era de que o Centrão não tinha um representante na chamada "cozinha" de Lula. Na época de Jair Bolsonaro, o grupo liderado por Lira se acostumou a tomar decisões a respeito das destinações orçamentárias e fincou os pés no Planalto com Ciro Nogueira (PP-PI) nomeado para a Casa Civil. Lira controlava as emendas na Câmara. Com Lula, isso não foi possível e foi por isso que o ministro Alexandre Padilha, deslocado agora para a Saúde, virou alvo de constantes ataques do alagoano que o classificou como "incompetente".
Vale considerar ainda que depois de ter que se segurar por dois anos, tendo Lira na cadeira de presidente, Lula experimenta um clima de lua de mel com a nova direção do Congresso e demonstra que está confiante em uma nova relação com o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e com Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no Senado.
Ao saber da nomeação, Alcolumbre também se colocou disposto ao diálogo. “Fui comunicado pelo presidente Lula sobre sua decisão em nomear a deputada federal Gleisi Hoffmann para o cargo de Ministra das Relações Institucionais. Desejo muito sucesso nessa importante missão de dialogar com o Parlamento. Em nome do Congresso Nacional, reafirmo nosso compromisso em trabalhar sempre em defesa do Brasil". O presidente da Câmara disse que sempre manteve "boa relação" com a petista e seguirá com o diálogo. "Sempre tive boa relação com ela no parlamento. Desejo pleno êxito na nova função e continuaremos o diálogo permanente a favor do Brasil", postou.
Detalhe: Lula fez questão de telefonar para os dois presidentes das Casa legislativas para comunicar sua decisão, antes de divulgar a nomeação por meio de nota oficial.
Transmutação
Além disso, com a nomeação, Lula ainda conseguirá aplacar bastante as críticas feitas à condução da economia pelo seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Gleisi, na condição de presidente do PT, bateu publicamente em Haddad, criticando sua atuação em relação ao arcabouço fiscal e ao pacote de corte de gastos. Além disso, ela foi a que mais vocalizou críticas à política de juros do Banco Central, quando a instituição era presidida por Roberto Campos Neto. Hoje, nas mãos de Gabriel Galípolo, indicado por Lula, a política continua a mesma e Gleisi, no Planalto, não estará mais na condição de cobrá-lo.
Lula já disse que confia na capacidade de Gleisi de se transmutar dependendo do cargo que ocupa. Em entrevista no início deste ano, Lula afirmou que, como presidente do PT, ela tinha que adotar um discurso que a militância do partido entendia, mas que ela tinha capacidade para ocupar qualquer cargo em seu governo.
Ao confirmar que aceitou o convite de Lula, a deputada escreveu em suas redes sociais que sempre entendeu "que o exercício da política é o caminho para avançarmos no desenvolvimento do país e melhorar a vida do nosso povo" e disse que está disposta a dialogar democraticamente com os partidos, governantes e lideranças políticas. "Como fiz nas posições que ocupei no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, na Casa Civil, na Diretoria de Itaipu e, atualmente, na presidência do PT. É dessa forma que espero corresponder à confiança do presidente, em uma construção conjunta com os partidos aliados, o Congresso Nacional e demais instituições", postou Gleisi.