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A carta que resumiu um sentimento contido na Esplanada

Desabafo de Kakay, advogado amigo de Lula, ganhou a solidariedade de pelo menos 15 ministros. Eles compartilham da opinião, mas temem dizer

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, com o presidente Lula
Foto: Reprodução

A carta do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro deu vazão a uma queixa que, dentro do governo, muita gente gostaria de fazer.

Kakay, como é conhecido o criminalista amigão de Lula e de muitos próceres petistas, teve coragem de exprimir em palavras um sentimento comum na Esplanada dos Ministérios, em parte do Palácio do Planalto e dentro do próprio PT.

Em suma, na esteira da pesquisa Datafolha que mostra uma queda inédita e histórica na aprovação de Lula, a maior desde sua primeira eleição para o Planalto, o advogado escreveu que neste terceiro mandato o presidente é outro, "não faz política" e está isolado, capturado e distante de “pessoas com capacidade de falar o que ele teria que ouvir”.

Lula, por óbvio, não gostou da crítica. Do Planalto, ainda na segunda-feira, 17, partiram apelos para que Kakay submergisse, sob pena de ampliar os danos à combalida imagem do governo.

Nas hostes governistas, o efeito da carta foi significativo. A pessoas próximas, sob reserva, Kakay tem dito que 15 dos 38 ministros entraram em contato para elogiar o texto – estariam no rol vários dos mais relevantes.

A queixa geral, não pronunciada por quem está dentro do governo, mas bastante repetida nos bastidores, casa muito bem com o que Kakay expressou: em sua versão atual, Lula está menos disposto a fazer política, não recebe os subordinados (e muito menos aliados do Congresso) como antes e não ouve críticas porque em seu entorno mais próximo não há quem tenha coragem de dizer o que está errado.

Kakay não cita os nomes, mas há dois personagens ocultos na carta.

Um deles é o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, que dentro do governo é visto como uma pessoa de trato difícil e que torna complicada a relação com o gabinete presidencial no dia a dia.

O outro é a primeira-dama, Janja da Silva. Há tempos ministros e amigos de longa data do presidente se queixam de que ela o colocou numa bolha que impede, por exemplo, encontros informais fora do expediente que, em outros tempos, Lula usava bem para fazer política.

A pensata de Kakay foi compartilhada em um grupo restrito de WhatsApp no qual estão também ministros e outras figuras de proa da República. Não demorou para que começasse a circular e virasse notícia – antes, ao ser consultado se era mesmo o autor, o advogado pediu para incluir um título no texto (“Lula, a esperança da democracia”) para tentar amenizar o tom crítico em relação ao presidente.

Uma vez publicada a carta, teve início uma operação de emergência para conter os danos. Em outro momento, talvez a repercussão tivesse sido zero. Agora, com a popularidade do presidente em baixa e o governo buscando corrigir rumos, virou notícia – especialmente por vir de alguém próximo e refletir uma leitura que, off the record, muitos dos poderosos de Brasília fazem.

A operação de contenção de danos se mostrou necessária para o Planalto porque, muito embora a crítica não tivesse a intenção de alvejar Lula pessoalmente, o texto já estava sendo usado largamente pela oposição para desgastar ainda mais o presidente e o governo. Havia ganhado as redes, com memes e tudo.

Um dos primeiros a entrar em ação foi José Múcio Monteiro, ministro da Defesa, escolado na tarefa de resolver crises - como aquela com a cúpula militar no auge do estresse do 8 de Janeiro.

Amigo do peito de ambos, Múcio falou com Lula e com Kakay. Coube a ele pedir ao advogado para submergir. À tarde, Kakay falou mais sobre o tema - até para explicar que sua intenção não foi torpedear o presidente -, mas na sequência decidiu parar, ao menos publicamente. O apelo do ministro da Defesa em defesa de Lula surtiu efeito.

Antes de Múcio, um personagem graúdo do petismo já estava no circuito: José Dirceu. O ex-ministro é mais um da turma que assinaria embaixo da carta. Chegou a dizer isso a interlocutores ao longo do dia.

Dirceu também procurou Lula para conversar a respeito. O presidente já estava a par da confusão. O texto havia chegado a ele pelas mãos de Marco Aurélio Ribeiro, o Marcola, chefe do gabinete presidencial.

A repercussão dentro do governo avançaria pela noite. Ainda na segunda, Kakay abriu as portas de sua casa para um jantar do qual participaram, entre outras personalidades, o próprio Múcio e Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça. Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, era aguardado. Não apareceu.

Entre os comensais, não faltou quem atribuísse a ausência ao barulho da carta: o vice de Lula teria deixado de ir para evitar a interpretação de que está na turma que concorda com Kakay.

Em Brasília, gestos simples importam. Mas o silêncio nem sempre significa muita coisa.

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