“A floresta não pode e não deve continuar a ser olhada como ocupante transitória do terreno, onde permanece, apenas, até o momento em que surge a necessidade de seu extermínio para ceder lugar a outros usos do solo”. Com imensa atualidade, a frase dita em 1978 mostra como a cientista paraense Clara Pandolfo estava à frente de seu tempo.
Não à toa, seus detratores diziam “lá vem a dona da floresta” ao mencionar a cientista que, de forma pioneira, 50 anos atrás, desenvolveu um sistema de monitoramento por satélite do desflorestamento da Amazônia e defendeu o que hoje chamamos de desenvolvimento sustentável.
O jornalista Murilo Fiuza de Melo, neto da estudiosa, conta a história dela em “Clara Pandolfo, uma cientista da Amazônia”, projeto que reúne um livro, um documentário e um site. A obra será lançada durante os eventos da COP30, em novembro, em Belém.
À coluna, o autor citou, de cor, outra frase da cientista, de 1972, que aborda um tema central das discussões atuais sobre clima e meio ambiente: “A única ocupação econômica que não destrói a cobertura florestal é a exploração florestal organizada, que permite a utilização desses recursos indefinidamente”.
Para Fiuza de Melo, Clara Pandolfo foi “invisibilizada” por dois motivos: “fazer ciência no que era a periferia — a Amazônia — e por ser mulher. Ela nunca quis deixar o Pará”.
Pioneirismo parecia ser o nome do meio de Clara Pandolfo, que se formou em química aos 17 anos, em 1929, entre uma turma de mais oito colegas, todos homens. Foi a primeira formanda da região Norte e uma das cinco primeiras em todo o país.
As fotos selecionadas para retratar a época mostram sempre a cientista cercada por homens, dando a exata noção do que era ser uma mulher da ciência e da política ambiental naquele tempo. Clara foi também do movimento sufragista.
Fiuza de Melo diz só ter tido a dimensão da mulher que chamava de avó quando já era adulto. Como jornalista, teve suas primeiras conversas com ela sobre esse passado. Em 2008, a cientista não se empolgou quando ouviu do neto que sua história precisava ser contada. “Havia uma certa amargura na fala dela porque ela estava preocupada, naquele momento, com os caminhos da Amazônia e do desmatamento”, avaliou o autor.
Quando Clara Pandolfo morreu, em 2009, o jornalista visitou o apartamento da avó e sua imensa biblioteca. Encontrou pastas coloridas e descobriu que ela registrava, minuciosamente, todo esse legado. Foi o ponto de partida para o projeto, que agora chega à COP30.