Quanto mais próximo o julgamento, mais Jair Bolsonaro confrontará o Supremo Tribunal Federal. Essa estratégia foi inaugurada com a apresentação de alegações finais pela Procuradoria-Geral da República e coordenada com a pressão do governo Trump sobre a economia do país, o tribunal e seus ministros.

Motivados pela proximidade do julgamento e de uma muito provável condenação, Bolsonaro e seus filhos partiram para o tudo ou nada: usar o governo Trump, aliado igualmente antidemocrata, para interferir na ação penal que julga a tentativa de golpe e de abolição violenta do estado democrático de direito.

O caso é gravíssimo. Trata-se não só de um atentado à soberania, mas de possível coação e obstrução de justiça. Por isso, medidas cautelares foram impostas a Jair Bolsonaro e, descumpridas, geraram sua prisão domiciliar. Os ataques e o descumprimento das medidas parecem terem sido ensaiados por Bolsonaro, para encenar vitimismo e reclamar de perseguição.

E assim foi feito.

Alguns incautos repetiram o mantra de que a proibição de uso de redes sociais violaria a liberdade de expressão, como se os crimes praticados nas redes e através delas tornassem os criminosos imunes. Outros ainda alertaram que a medida não existiria no direito penal, ignorando milhares de casos julgados pelos tribunais brasileiros que impedem o uso de redes, e até da internet, para criminosos que se valem do mundo digital para a prática criminosa.

No mundo real, a medida que proíbe o uso das redes foi aplicada e referendada pela turma. Foi descumprida por mais de uma vez para dar ressonância, nas redes, à coação do tribunal, gerando a imposição de uma medida mais grave, a prisão domiciliar. Ainda assim, para alguns, a prisão domiciliar foi um exagero, mesmo com a previsão de prisão preventiva para casos semelhantes. Caíram na narrativa de perseguição, mesmo com provas, testemunhos, confissões, reunidas aos montes, na ação penal em trâmite no Supremo.

A chantagem patrocinada pelos Bolsonaro é até simplória: aprovar uma anistia a Jair Bolsonaro para que os problemas criados por eles mesmos desapareçam. A chantagem recebeu o nome de pacote da paz e, além de anistia, envolve o impeachment de Alexandre de Moraes. Seus aliados sequestram o Legislativo com essa pauta, demandando atenção à vontade de Jair Bolsonaro, o líder da organização criminosa, segundo a PGR.

O plano de destruição institucional em benefício próprio continua vigente.

Mas, no final, os fatos se impõem. A verdade é que o réu Jair Bolsonaro criou uma crise econômica e institucional, chantageando ministros para se livrar do julgamento, em gravíssima coação e obstrução de justiça, e poderia estar preso preventivamente. A prisão domiciliar foi medida mais amena do que a lei prevê para esses casos.

Quem reclama exagero não leva a sério a acusação feita pela PGR, que revelou o sistemático uso de redes sociais para a prática de crimes. Nas alegações finais, a PGR descreve que “o discurso antidemocrático ganhou difusão nacional, reproduzido nas redes sociais do réu [Jair Bolsonaro]”, que foram feitas “convocações em redes sociais de levante contra o governo eleito e de intervenção militar” e que “um dos principais instrumentos utilizados para mobilizar as massas foi a atuação nas redes sociais”. “Temos redes sociais aqui para explodir”, oferecia funcionário da Presidência da República aos réus da ação penal, para desrespeitar o resultado das Eleições de 2022.

Ou seja, a manipulação e ressonância das redes foi parte e modo de execução dos crimes de golpe de estado e de abolição violenta do estado democrático de direito. Por isso, a maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu que as próprias redes e plataformas têm o dever de bloquear conteúdos relativos aos crimes contra a ordem democrática. É disso que se trata.

A proibição de uso de redes sociais para Bolsonaro e a aplicação de prisão domiciliar pelo seu descumprimento, no contexto concreto dos fatos e da ação penal 2668, são proporcionais, justificadas e até moderadas, sobretudo diante de um cenário onde está claro que a sua estratégia de defesa é o ataque ao tribunal.

Bradar por liberdade de expressão é ignorar os fatos e a realidade ou endossar a tese de que as redes são território livre para a prática de crimes.

Eloísa Machado é coordenadora do projeto Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)