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A imparcialidade do STF para julgar a tentativa de golpe

O Supremo julgará se seus ministros têm imparcialidade para julgamento de ataques antidemocráticos. Ao enfrentar o mérito da questão, o tribunal poderá afastar a ideia de que investigados têm controle sobre quem serão seus juízes.

De fato, a Constituição e a lei preveem uma série de medidas para se garantir a imparcialidade do Judiciário. Dentre elas, estão as regras de impedimento e suspeição.

Pela lei, um juiz será suspeito se tiver algum tipo de vínculo subjetivo com alguma das partes do processo, seja por amizade ou por inimizade, por ser credor ou devedor, por exemplo. O impedimento, por sua vez, traz situações objetivas nas quais se considera que o juiz não deve atuar no processo se ele próprio ou seus familiares forem partes, se tiver atuado em outra função no processo (como advogado, por exemplo), dentre outras.

No Supremo Tribunal Federal, pesquisas já revelaram que o controle sobre as hipóteses de impedimento e suspeição é feito pelos próprios ministros e não chega a ser julgado coletivamente pelo tribunal, seja pelo fato de o ministro arguido declarar-se suspeito ou impedido (hipótese em que o caso perde objeto), seja pela rejeição da arguição por motivos formais (como o descumprimento de prazo legal).

Recentemente, a discussão sobre impedimento e suspeição tomou novas proporções em razão das investigações sobre ataques antidemocráticos e das ações penais do 8 de janeiro, que tramitam no Supremo.

Centenas de arguições e incidentes têm sido levados ao tribunal questionando a imparcialidade de seus ministros, e de Alexandre de Moraes em especial, pelo fato de terem sido alvos dos ataques antidemocráticos e do 8 de janeiro. Segundo esse argumento, como o STF foi invadido e depredado e seus ministros foram objeto de ataques e xingamentos, nenhum deles estaria em posição de imparcialidade para julgar os acusados.

As arguições foram rejeitadas, inclusive pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, por questões formais. O tema volta novamente à pauta do tribunal, em casos que questionam a imparcialidade do ministro Alexandre de Moraes, dentre os quais um do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O tribunal terá oportunidade de julgar, pela primeira vez, o mérito da questão. E, nesse ponto, deverá enfrentar duas questões: se o ministro é vítima e, portanto, parte das investigações – hipótese em que estaria impedido –, e se o ministro é inimigo ou tem algum vínculo subjetivo com os acusados – hipótese em que seria suspeito.

Tecnicamente, nenhum ministro é vítima dos crimes investigados. Os crimes apontados pela Polícia Federal em seu relatório final são de organização criminosa, “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” e “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

A vítima, nos dois crimes, é toda a sociedade.

Ainda que as instituições atacadas sejam compostas por pessoas (Congresso Nacional composto por deputados e senadores, STF e TSE por ministros e Presidência, por presidente e vice), estas não se tornam automaticamente vítimas enquanto indivíduos. Pelo contrário, o que as investigações mostraram até agora é que as pessoas só foram atacadas pelas funções institucionais que desempenharam.

O recente plano revelado pela Polícia Federal que, dentre outras atrocidades, previa o assassinato do ministro Alexandre de Moraes, certamente teria outro alvo caso a presidência do TSE estivesse em outras mãos durante as Eleições de 2022. O mesmo pode ser dito de Lula e Alckmin, alvos por terem sido eleitos à Presidência.

Para quem não tem memória curta, será fácil relembrar que, antes do ministro Alexandre de Moraes se tornar alvo preferencial do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux também foram atacados. Em comum, eles tinham assento no Tribunal Superior Eleitoral.

Tampouco se pode afirmar que, em razão de xingamentos e ataques pessoais por parte dos investigados, os ministros tenham se tornado seus inimigos e, portanto, suspeitos. Isso seria dar a investigados e réus o poder de, por sua única e exclusiva vontade, remover um juiz de seu caso. Considerar que os ataques de Bolsonaro a ministros os tornam suspeitos seria inviabilizar o funcionamento e a possibilidade de julgamento pelo tribunal.

Os ataques ao STF, ao TSE e a seus ministros eram parte de uma estratégia de Jair Bolsonaro para enfraquecer os controles sobre seu governo. Inclusive, isso está descrito no relatório como “ideia-força” a ser repetida, à exaustão, por Bolsonaro e seus seguidores.

É importante que o Supremo dê uma resposta coletiva e fundamentada a esses casos, afastando os frágeis argumentos de impedimento e suspeição. Afinal, no fundo, não passa mesmo de uma ideia-força, uma estratégia de defesa.

Eloísa Machado é coordenadora do projeto Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

"Os artigos publicados nesta seção não refletem, necessariamente, a opinião do PlatôBR."

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