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A lealdade estratégica do ministro da CGU ao governo Lula

A Controladoria-Geral da União (CGU) não é um ministério interessante para os partidos que querem entrar na coalizão (minoritária) de Lula. Combater a corrupção, a principal missão da CGU, é um assunto quase impossível de capitalizar politicamente sem atingir o próprio governo. Normal, então, que o presidente tenha nomeado o advogado Vinícius Carvalho, ex-presidente do Cade e ex-sócio da VMCA Advogados.

Estranho, no entanto, que Carvalho tenha iniciado uma ofensiva na imprensa nos últimos dias para demonstrar lealdade a Lula. Há dois motivos plausíveis para isso, para além do óbvio desejo de continuar no cargo. Um é tentar voos mais altos depois do fim do mandato de Lula – quem sabe ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) ou do STF (Supremo Tribunal Federal) ou até voltar ao escritório de advocacia com uma nova e invejável rede de relações políticas. São opções legítimas que qualquer um teria em seu lugar.

Outro motivo é garantir a leniência do governo caso volte à tona o fato de que Carvalho pediu afastamento de seu escritório de advocacia apenas em maio do ano passado, 16 meses depois de assumir o comando da CGU. Ele já estava licenciado da banca, mas continuava como sócio patrimonial. O escritório defendia a Novonor (ex-Odebrecht) ao mesmo tempo em que a CGU renegociava o acordo de leniência da empresa, firmado com a Operação Lava Jato. Conflito de interesse de livro-texto.

A recente ofensiva de Carvalho materializou-se de forma inequívoca em artigo do início deste mês para um jornal paulista de grande circulação. Nele, o ministro afirma que sua gestão é responsável por várias medidas que ampliaram a transparência no país. Escreveu: “Se hoje a população sabe quem entra e sai de prédios públicos, tem acesso a processos disciplinares concluídos ou a informações antes protegidas indevidamente, isso se deve ao compromisso do presidente Lula com a transparência”.

Não é verdade que a população sabe quem circula em prédios públicos graças ao atual governo. Desde 2020, quando o ministro era Wagner Rosário, diversas decisões da CGU já firmavam o entendimento de que os órgãos públicos devem publicizar os registros de entrada e saída de pessoas de suas dependências. A atual gestão apenas reafirmou, com o Enunciado CGU 1/2023, uma regra existente.

Outro ponto é o acesso a processos disciplinares concluídos. Esses processos investigam infrações cometidas por funcionários públicos. Carvalho afirma que essa medida foi implementada neste terceiro mandato de Lula, quando, na verdade, desde 2016, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT), o Enunciado CGU 14/2016 determinava que esses processos deveriam se tornar públicos após julgamento. Em 2023, a CGU apenas ampliou isso para os processos de militares – ainda assim divulgando apenas o extrato, e não a íntegra do processo.

Ao mesmo tempo que revisou sigilos de 100 anos, o governo atual restringiu o acesso a outras informações públicas. Informações sobre remunerações de servidores de estatais continuam indisponíveis, descumprindo duas decisões do TCU, o Acórdão 1523/2019 e o Acórdão 1338/2022 do plenário do tribunal. A Casa Civil da Presidência da República e a CGU tampouco dão acesso público ao sistema que tem as informações sobre preenchimento de requisitos de cargos e funções de confiança do governo federal, contrariando o Acórdão 2640/2022 do plenário do TCU.

Além disso, Lula não utiliza o sistema de transparência de reuniões (e-Agendas), adotado por seus ministros e outros dirigentes públicos. 89% das reuniões do governo não têm pauta divulgada, de acordo com levantamento divulgado em outubro de 2024.

Carvalho também afirma que o governo eliminou a possibilidade de sigilo eterno de informações. Mas a proposta que o ministro aventou na imprensa, e que talvez seja enviada ainda neste mês ao Legislativo, prevê que dados pessoais só serão tornados públicos cinco anos após a morte do indivíduo. Para pessoas vivas, estabeleceria um teste genérico de interesse público, sem garantir que a transparência será a regra. A depender da interpretação dos burocratas e seus chefes políticos, o sigilo pode continuar indefinidamente.

Sérgio Praça é Doutor em Ciência Política pela USP. Publicou, entre outros, os livros “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” e “Corrupção e Reforma Orçamentária no Brasil”

"Os artigos publicados nesta seção não refletem, necessariamente, a opinião do PlatôBR."

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