Desde a posse de Donald Trump, há seis meses, Luiz Inácio Lula da Silva faz questão de manter distância regulamentar do presidente norte-americano. É um comportamento, por sinal, que encontra reciprocidade no próprio Trump. Hoje, em meio às ameaças de sobretaxas às exportações brasileiras, o governo reedita a resposta de sempre aos questionamentos sobre o porquê do afastamento. “Nunca houve convite”, disse uma fonte do Planalto, minimizando a existência de uma “guerra pessoal” entre os dois. “Para você topar conversar, você tem que ser convidado”, enfatizou um interlocutor do presidente.

Não houve convite nem agora, para uma conversa sobre a guerra comercial, nem em janeiro, para a cerimônia de posse do republicano. Na época, Lula se limitou a mandar felicitações, por meio das redes sociais. O governo brasileiro não enviou nem mesmo o vice, Geraldo Alckmin, para a inauguração do novo mandato de Trump. A representante de Brasília foi a embaixadora em Washington, Maria Luiza Ribeiro Viotti.

‘Tom máximo de cordialidade’
Na mensagem a Trump, em janeiro, o petista enfatizou o caráter institucional e impessoal ao cumprimentá-lo pela posse. “Em nome do governo brasileiro, cumprimento o presidente Donald Trump pela sua posse. As relações entre o Brasil e os EUA são marcadas por uma trajetória de cooperação, fundamentada no respeito mútuo e em uma amizade histórica”, escreveu Lula. “Nossos países nutrem fortes laços em diversas áreas, como o comércio, a ciência, a educação e a cultura. Estou certo de que podemos seguir avançando nessas e outras parcerias. Desejo ao presidente Trump um mandato exitoso, que contribua para a prosperidade e o bem-estar do povo dos Estados Unidos e para um mundo mais justo e pacífico”, prosseguiu.

Quando Trump foi eleito, Lula também se manifestou nas redes, enfatizando mais o respeito à escolha dos eleitores nas urnas do que parabenizando o republicano pela vitória: “A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada”. “O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo”, disse ainda o presidente brasileiro.

Para aliados de Lula, esse é o tom máximo de cordialidade que o presidente brasileiro dispensará a Trump. A partir daí, vale a tática de se desvencilhar de encontros ou mesmo do humilhante papel já desempenhado por líderes mundiais que foram constrangidos publicamente por Trump.

Lula e Trump nunca se encontraram pessoalmente desde o início do segundo mandato do republicano. No funeral do papa Francisco, em abril, os dois até estiveram em um mesmo ambiente, mas logo depois Lula disse que nem sequer o viu. Em junho, havia a expectativa de um encontro dos dois na cúpula do G7, em Calgary, no Canadá. Trump, no entanto, deixou a cúpula antes da reunião geral e retornou aos Estados Unidos para cuidar das ordens de evacuação de Teerã para o bombardeio que se seguiu.

Os riscos do ‘pavio curto’ de Lula
A preocupação com o jeito estrepitoso do presidente norte-americano é sempre levada em conta ao se analisar os riscos de um eventual encontro bilateral. Por mais de uma vez, Trump foi descortês com convidados. Uma das situações foi com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que em fevereiro deste ano viu Trump lhe passar uma descompostura durante uma reunião. As cenas foram transmitidas ao vivo pela tevê. Trump se levantou, deu as costas e abandonou Zelensky no Salão Oval da Casa Branca depois de uma repreensão pública – o presidente dos Estados Unidos disse que o colega ucraniano estaria lidando com a guerra como quem joga cartas. “Como Trump é um mal-educado, Lula não vai se expor a um risco desses”, enfatizou o interlocutor do Planalto.

É sabido que Lula não teria a mesma paciência que o sul-africano Cyril Ramaphosa, que permaneceu calmo diante de provocações e humilhações que Trump costuma dispensar a alguns de seus visitantes no Salão Oval. Em maio deste ano, Trump recorreu a vídeos da internet para cobrar do sul-africano explicações sobre um “genocídio branco” contra fazendeiros da África do Sul. Depois se descobriu que o vídeo não refletia aquilo que Trump dizia. As alegações, que haviam circulado nas redes sociais e foram reproduzidas pelo presidente norte-americano, eram falsas. Os vídeos eram, na verdade, de um conflito de gangues na República Democrática do Congo.

Conselhos da diplomacia
Nesta semana, em vez de buscar uma conversa com Trump, Lula participou de uma articulação conjunta entre Chile, Espanha, Colômbia e Uruguai com o propósito de condenar o que chamaram de “avanço dos discursos autoritários impulsionados por diferentes setores políticos e o crescente desinteresse dos cidadãos” pela democracia. Trump, por sua vez, viu aumentar entre a população norte-americana a rejeição ao seu governo e às tarifas impostas a outros países. Uma pesquisa realizada pela rede CBS News revelou que 60% dos entrevistados se colocaram contrários à atual política tarifária.

Como há a leitura de que Lula não teria a frieza necessária para ignorar possíveis provocações de Trump, uma conversa entre dele com o norte-americano vem sendo até desaconselhada pela diplomacia brasileira. A ideia é descolar de Lula toda negociação e continuar centrando os esforços nas ações do vice Geraldo Alckmin e do chanceler, Mauro Vieira. Antes de a interlocução ser construída, Lula não teria as condições ideais para conversar e tentar amenizar os prejuízos que o tarifaço, se implementado, pode causar à economia brasileira.