A reforma do federalismo brasileiro
A revista Cadernos Gestão Publica e Cidadania da FGV-SP publicou em julho de 2025 um artigo de Amarando F. D. Junior e Josedilton A. Diniz, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba, intitulado “Arranjos Federativos e Federalismo Fiscal: Uma Proposta de Fusão Municipal no Brasil“. O trabalho chamou atenção da imprensa nacional e foi noticiado no portal Poder 360 e pelo jornal Folha de São Paulo.
O trabalho estudou o comportamento de duas variáveis fiscais, autosuficiência municipal e arrecadação própria, através de uma modelagem econométrica que simulou a situação financeira dos municípios no modelo atual em comparação com a estrutura federativa proposta com fusão de cidades. O trabalho concluiu pela maior eficiência fiscal da fusão a ser feita com a redução de 70% do numero de municípios, saindo dos atuais 5.567 para 1.656. Desapareceriam todos os municípios com menos de 119.213 habitantes e a fusão resultaria num aumento de 36% na autossuficiência operacional dos municípios e de 40% na sua arrecadação própria.
Os pesquisadores paraibanos demonstraram em seu excelente artigo que a eficiência fiscal do nosso modelo federativo é muito deficiente, mas a proposta de fusão de municípios deve ser considerada apenas – e tão somente- como uma hipótese teórica para comprovar este fato. Eliminar municípios não é solução para corrigir o desequilíbrio fiscal nas cidades, da mesma forma que criar novos municípios também não deve ser adotado como estratégia de desenvolvimento regional.
O paradoxo é que o Brasil possui, ao mesmo tempo, municípios demais e déficit de poder local. São mais de 50 mil distritos e vilas rurais distantes do núcleo dinâmico das metrópoles e também favelas sem governo próprio e com infraestrutura urbana precária. Nas regiões mais adensadas e mais dinâmicas economicamente, a ocupação desordenada do território gerou favelização. Trata-se de uma solução de mercado informal para o descompasso entre a pressão imobiliária na baixa renda causada pela migração e a insuficiente oferta de habitação popular e serviços urbanos estruturados. Falta poder local tanto nas favelas quanto nas pequenas cidades e vilas rurais sem dinamismo econômico.
A figura do município é como um sapato de mesmo numero para pés de criança e de jogadores de basquete. A cidade de São Paulo e Irupi no Espirito Santo são igualmente municípios, entes da federação, no sistema federativo brasileiro.
Precisamos de uma estrutura de governo local nova, mais leve que o município, para organizar a vida coletiva nas vilas rurais, bairros e favelas, que possa organizar serviços urbanos locais de forma articulada institucionalmente com o município. Poderíamos copiar a França e a Itália batizando-a de “comunidade”. A França possui 34.945 “communes” e a Itália 7.901 “comuni”, que são o menor nível de unidades administrativas locais.
Segundo o IBGE temos 509 Regiões Geográficas Imediatas e 133 Regiões Geográficas Intermediarias segundo a nova classificação vigente desde 2017. Até então eram 558 microrregiões homogêneas. A grande reforma federativa que o Brasil precisa, além da criação das novas “comunidades”, deveria ser organizar o orçamento de investimento público pelas 642 Regiões Geográficas unificando as dotações federais, estaduais e municipais em uma única peça orçamentária pactuada entre os três níveis da federação em cada território, inclusive com as emendas parlamentares.
A captação de operações de crédito, a estruturação de parcerias público-privadas, o lançamento de títulos no mercado de capitais, seriam em muito estimuladas e simplificadas com esta mudança.
Por fim é preciso descentralizar o sistema fundiário para os governos sub nacionais ainda hoje tutelados pela União, principalmente nas cidades litorâneas onde os terrenos de marinha, os territórios acrescidos por aterros e a lâmina d’água seguem sendo propriedade da União. Os imóveis, edificações e terrenos da União precisam ser entregues para os governos locais a fim de que aproveitamentos econômicos sejam estruturados e implementados gerando riqueza e prosperidade. Estes ativos públicos precisam ser destravados deixando de ser administrados como patrimônio inativo, estocado e contabilizado como receita potencial para o governo federal. Trata-se de instituir uma gestão territorial plena para as cidades e as regiões geográficas de acordo com sua capacidade de gestão e governança.
A reforma do sistema federativo é a reforma institucional mais importante na agenda do Brasil. Tem impacto no sistema político-eleitoral, na gestão fiscal, no desenho e na governança das politicas públicas.
Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de produção e professor universitário. Foi prefeito de Vitória-ES e deputado federal pelo PSDB-ES. Integra a Academia Brasileira da Qualidade (ABQ)
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