As orelhas de Tarcísio de Freitas ardem. Apontado como herdeiro político natural de Jair Bolsonaro e tratado por muitos como o mais viável entre os possíveis candidatos da oposição ao Palácio do Planalto em 2026, o governador de São Paulo está sob ataque cerrado do entorno do ex-presidente. O objetivo da ofensiva é claro: evitar que Bolsonaro o abençoe como o candidato de sua preferência no ano que vem.

Entra semana, sai semana, não param de chegar aos ouvidos do ex-presidente relatos – os quais Tarcísio nega – que buscam fazer com que Bolsonaro veja o governador como traidor e não o apoie na sucessão presidencial. O apoio de Bolsonaro, é bom lembrar, pode ser decisivo para o sucesso da candidatura porque é de se esperar que o escolhido, quem quer que seja, assuma seu espólio eleitoral.

A última história a chegar ao ex-presidente envolve um encontro de Tarcísio com representantes da comunidade libanesa em São Paulo no qual o governador teria se assumido como candidato ao Planalto e ido mais além: dito que o seu candidato ao governo paulista é Gilberto Kassab e avançado até para acertos na composição da chapa que pretende compor para disputar o Senado.

O relato chegou a Jair Bolsonaro por pessoas muito próximas, junto com a leitura de que, no escurinho dos bastidores, Tarcísio estaria se movimentando freneticamente para construir sua candidatura presidencial e – o pior, na leitura dos bolsonaristas – excluindo o ex-presidente e seus escudeiros mais leais da equação.

No centro da história está um encontro de Tarcísio com Marcos Efeiche, presidente do Monte Líbano, tradicional clube da capital paulista, e o empresário Miled Khoury, conhecido como “rei do Brás” por ser um dos mais poderosos players do famoso polo de confecções da cidade (ele é fundador da Sawary, marca popular de jeans).

Segundo o relato levado a Bolsonaro, nesse encontro Tarcísio não apenas teria assumido com todas as letras seu desejo para 2026 e o plano de lançar Kassab ao Palácio dos Bandeirantes como também “acertado” que Guilherme Derrite, atual secretário de Segurança de São Paulo, estará na chapa que disputará uma das vagas do estado no Senado.

Ainda de acordo com o relato, o governador já teria até mesmo definido os passos seguintes e discutido os detalhes no tal encontro: caso ele consiga se tornar presidente e Derrite ganhe uma das vagas de senador por São Paulo, o hoje secretário viraria ministro da Justiça e Khoury, um dos empresários do encontro, que estaria disposto a ajudar no financiamento da empreitada e seria alçado ao posto de suplente, herdaria a cadeira no Senado.

É um jogo com potencial não só de irritar Bolsonaro como de mexer com múltiplos interesses (e gerar ciúmes) em personagens graúdos do campo da direita que têm interesses no tabuleiro paulista.

“Falta combinar com quem tem os votos, que é Bolsonaro. Isso não se faz”, esbravejava na quinta-feira, 24, em torno de uma mesa de café da manhã, um dos mais obedientes integrantes do estado-maior de Bolsonaro. “Ele (Tarcísio) já está acertando tudo sem considerar Bolsonaro e o grupo do ex-presidente nos planos”, prosseguiu em tom de revolta o interlocutor, que àquela altura se preparava para compartilhar as informações com Bolsonaro – ele estava aguardando um pouco porque, naquela manhã, o ex-presidente ainda buscava entender, com a ajuda de advogados, a decisão do ministro Alexandre de Moraes que sucedeu o pedido de explicações sobre o descumprimento das medidas restritivas a que fora submetido, com ameaça explícita de prisão.

Malafaia e Eduardo
O relato foi compartilhado também com outros bolsonaristas ferrenhos, como o pastor Silas Malafaia. O deputado Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do ex-presidente que abriu trincheira nos Estados Unidos para engajar o governo de Donald Trump na tentativa de salvar o pai (e ganhou de presente o tarifaço), também foi avisado. Eduardo tem disparado contra Tarcísio com alguma frequência.

Entre os aliados mais próximos de Jair Bolsonaro reina a impressão de que pendula a empolgação do ex-presidente com a ideia de apoiar Tarcísio para o Planalto em 2026. Daí o esforço para minar o governador e trabalhar por um nome mais afinado com o bolsonarismo raiz – de Michelle a Flávio Bolsonaro e de Ronaldo Caiado a Ratinho Júnior, a preferência varia em larga escala, a depender de quem se ouve.

Quase sempre, a reação de Bolsonaro aos relatos que chegam, sejam eles contra Tarcísio ou algum outro dos seus possíveis herdeiros políticos, é enigmática. Ele não indica claramente o que pensa. “No fundo, ele ainda acredita que o candidato a presidente será ele”, diz um interlocutor.

“É claro de onde vem”
No campo de batalha, o outro lado se mostra preparado para a ofensiva e tem na ponta da língua as respostas para cada movimento. Há até certa naturalidade na reação a cada um dos petardos disparados.

Justamente nessa toada, auxiliares de Tarcísio de Freitas negam os termos do relato levado a Jair Bolsonaro e atribuem a história do encontro com os libaneses a mais uma tentativa de bolsonaristas de desestabilizar a relação entre o ex-presidente e o governador.

Esses mesmos interlocutores repetem que o Tarcísio não tem, em nenhuma hipótese, se apresentado como candidato a presidente da República – muito menos sem considerar o apoio de Bolsonaro.

O gabinete de governador disse que ele esteve com Miled Khoury e Marcos Efeiche, os personagens do tal encontro, mas em abril, na festa de aniversário do Clube Monte Líbano, e que na ocasião não houve conversas na linha do relato levado a Bolsonaro. “É claro de onde vem”, disse uma pessoa muito próxima a Tarcísio.

Outubro de 2026 ainda está longe, mas a guerra está aberta.