Uma semana antes de o Brasil brilhar no Oscar, com “Ainda estou aqui", o país quase perdeu parte de sua memória do cinema. Não fosse a rapidez dos funcionários da Cinemateca Brasileira, um incêndio teria colocado em risco quase 50 mil títulos, em milhares de rolos de filme, e cerca de um milhão de documentos, de fotos e cartazes a cópias de roteiros. E não foi a primeira vez.
Foi o sexto incidente deste tipo desde 1957. O quinto incêndio ocorreu no governo Bolsonaro, em 2021. E foi uma perda grande: "Na semana passada, se não fossem os funcionários, poderia ter sido uma tragédia. O incêndio de 2021 aconteceu porque a Cinemateca estava fechada pelo governo Bolsonaro. Não tinha ninguém lá para combater o fogo", relembrou o presidente da Cinemateca Brasileira, Carlos Augusto Calil.
E a perda foi significativa em 2021:
"Foram 6.000 títulos destruídos, além de toda a documentação do Conselho Nacional de Cinema e do Instituto Nacional do Cinema".
Mudou o governo, mas a memória do cinema continuou em risco. O projeto de reforma da Cinemateca, em São Paulo, custaria R$ 100 milhões. O orçamento federal do ano passado, que era de R$ 24 milhões, perdeu R$ 7 milhões com o corte de gastos. “O dinheiro já era insuficiente. A Cinemateca precisa do dobro do que tem. E, até agora, não tem o orçamento deste ano”, disse Calil.
Os perrengues enfrentados pela Cinemateca só não são maiores porque ela corre atrás de financiadores, por meio de leis de incentivo, e conta com mecenas, como o diretor de “Ainda estou aqui", Walter Salles.
Segundo a Forbes, ele é o terceiro cineasta mais rico do mundo — não por causa do cinema, mas por herança de família — e age, discretamente, apoiando projetos da Cinemateca. Salles deu parte dos recursos para reformar a reserva técnica da instituição, que precisa de temperatura muito fria e umidade do ar baixa.
Mas, segundo Calil e cineastas ouvidos pela coluna, o problema do cinema brasileiro não está apenas na falta de dinheiro.
“Está tudo errado no que a gente faz hoje", disse Calil, para quem o mais urgente é regulamentar o streaming no Brasil. Ele criticou os projetos em tramitação no Congresso e afirmou que o projeto deveria ser de iniciativa do governo.
“Até porque Haddad deveria perceber que tem muito dinheiro envolvido nisso. Muito dinheiro para arrecadar para o Tesouro e para fomentar o cinema. É uma das fontes de renda que ele poderia ter privilegiado. Agora, fica um silêncio", cobrou Calil.