Ao anunciar que fará uma triagem na rodoviária para devolver pessoas em situação de rua às cidades de origem, o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), reacendeu o debate sobre o tratamento dado à população vulnerável na capital catarinense. A medida, apresentada como uma forma de “não transformar Florianópolis em depósito de pessoas em situação de rua”, vem sendo classificada por especialistas como expressão de uma política excludente e eleitoreira.
Publicada nas redes sociais do prefeito, a mensagem gerou reação imediata da Defensoria Pública e do Ministério Público de Santa Catarina, que abriram apurações sobre a ação. Topázio afirmou que o posto da Secretaria de Assistência Social, instalado na rodoviária, “já devolveu mais de 500 pessoas” para seus locais de origem e que quem desembarca na cidade “deve respeitar suas regras e cultura”.
Para o cientista político Tiago Borges, professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), o discurso de Topázio deve ser lido dentro de uma estratégia eleitoral. “A cidade tem sido vendida como uma das melhores capitais do país, e o prefeito tenta capitalizar essa imagem de sucesso, afastando tudo que desvie dessa narrativa”, disse ao PlatôBR.
Segundo ele, a retórica de “devolver pessoas” dialoga com um eleitorado mais conservador, que ganhou força em Santa Catarina nos últimos anos. “Há uma dimensão política muito clara: esse tipo de fala agrada a uma camada da população que respalda políticas de exclusão. É um discurso que reforça a ideia de que existe uma ‘população de fora’ responsável pelos problemas da cidade”, afirmou.
Borges observa ainda que Topázio, antes visto como um gestor pragmático e de perfil mais técnico, passou a adotar pautas com apelo moral e de ordem. “Ele se aproximou do campo conservador, buscando respaldo de setores que desejam esconder a pobreza e manter uma Florianópolis idealizada, com bons indicadores, mas sem lidar com a desigualdade”, completou.
O economista Lauro Mattei, coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat), avalia que o episódio reflete a postura histórica das elites locais. “Esse prefeito representa uma elite catarinense que, além de racista, é profundamente segregacionista. A fala dele tem apelo popular porque parte da sociedade compartilha essa visão”, afirmou a reportagem.
Mattei lembra que o discurso de Topázio ocorre após a divulgação de um estudo do Observatório das Metrópoles mostrando aumento da pobreza na região de Florianópolis. “Logo depois da divulgação, a prefeitura emitiu uma nota responsabilizando migrantes pelo avanço da pobreza. Agora, o vídeo apenas explicita essa visão, transformando um problema estrutural em questão moral”, apontou.
Segundo o professor, a capital catarinense é uma das cidades mais desiguais do país, o que contrasta com sua imagem de paraíso urbano. “Florianópolis tem um dos metros quadrados mais caros do Brasil, mas metade da população vive com renda inferior a R$ 1.400. Essa contradição é escamoteada por uma elite que não quer lidar com a realidade social da cidade”, completou.
Nota do Executivo
Em nota enviada ao PlatôBR, a Secretaria de Assistência social da Prefeitura de Florianópolis afirma que posto na rodoviária funciona há cerca de dois anos. “A equipe permanece no local para orientar e apoiar pessoas que chegam à cidade. Não há abordagem de todos os passageiros, o atendimento é realizado apenas quando a própria pessoa procura o posto em busca de ajuda”, afirma. “A partir desse contato, são feitos os encaminhamentos necessários para a rede socioassistencial. O objetivo é oferecer apoio a quem precisa e identificar situações em que outros municípios enviam pessoas em situação de rua para Florianópolis de forma irregular”, acrescenta a nota.
Em algumas situações, diz a nota, a Assistência Social “identifica que a pessoa foi enviada por outro município para viver em situação de rua” em Florianópolis. “Quando isso acontece, a equipe entra em contato com o município de origem ou com familiares e organiza o retorno, sempre com acompanhamento da Assistência Social, considerando que, no local de origem, a pessoa já possui vínculo e atendimento.”
