“Ainda estou aqui” é um cometa no céu, que iluminou uma noite toda para o cinema brasileiro. Foi assim que o presidente da Cinemateca Brasileira, Carlos Augusto Calil, definiu o impacto do filme dirigido por Walter Salles.
“O cinema brasileiro estava no grau zero. Desde 2018, a gente vai muito mal. A política cinematográfica brasileira faliu em 2018. Porque o Brasil produziu mais de 150 filmes naquele ano, com investimento público, e não havia filmes para serem exibidos nos cinemas. Você vai dizer: ‘Mas como? É um absurdo o que você tá falando’. Então, o que eu quero dizer é o seguinte, não adianta produzir 150 filmes, se você não tiver filmes direcionados para o mercado, para ocupar o mercado", afirmou.
Para Calil, produzir 150 filmes pode ser uma “grande marca de diversidade cultural, mas nada disso garante que esses filmes vão chegar ao público porque existe um funil muito grande, que é a indústria".
Outro destaque que deixou o cinema em “ponto de bala” nos últimos meses foi o filme “O último azul”, de Gabriel Mascaro, que venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim.
“O fato de a gente produzir bons filmes não é tão isolado assim, né?”
Um dos segredos do filme de Salles, para o presidente da Cinemateca, é que a obra não tentou ser um filme político-ideológico.
“Quando eu estava na Embrafilme [ele foi presidente], o pessoal da área comercial dizia que o filme político era veneno de bilheteria. Porque o público não quer saber de mensagem, quer saber da história”, disse ele.
E explicou:
“O público quer ir ao cinema por prazer, para se emocionar. Não quer ir para ser doutrinado. Esse filme é político no melhor sentido da palavra, quer dizer, ele é político porque ele atinge uma dimensão política pelo caminho da arte. E já teve um impacto extraordinário, com o STF desengavetando a ação que vai julgar os torturadores.”
Calil avalia que “Ainda estou aqui” quebrou barreiras e atingiu mais que as pessoas de esquerda. “É uma história de superação, e o cinema gosta disso. E aí não tem ideologia, porque é injustiça em primeiro lugar. A questão ali é que tinha uma família destruída por um regime brutal.”
E contar a história de Eunice Paiva, com o desempenho de Fernanda Torres, foi a chave para o sucesso.
“É uma mulher que se reinventou, não é isso? Ela era uma dona de casa. Tinha cinco filhos. De um dia para o outro, ela teve que se reinventar. E sem ter pena de si mesmo. É coisa maravilhosa na personalidade, que ela não tem pena dela. Ela vai à luta. Ela não deixa os filhos chorarem. Não tem que chorar. Tem que sorrir.”
Calil afirmou que Walter Salles estava pronto, capacitado, para ganhar o Oscar desde “Central do Brasil”. E que trilhou o caminho certo para receber o prêmio.
Mas e o Oscar perdido de Fernanda Torres?
“Na última edição do Hollywood Reporter, a capa é com ela lindamente vestida, enfim, maquiada, e o título é ‘Fernanda Torres has already won'. Porque ela já ganhou o Globo de Ouro. Depois, ela ganhou a mídia. Então, ela já ganhou. E eles ainda não sabem que ela é uma grande escritora. Eu acho que, agora, como decorrência disso, os livros dela vão ser traduzidos.”