Os governos Lula e Dilma ajudaram a sedimentar um sistema de combate à corrupção no Brasil, seja por vontade própria, seja porque o contexto político e institucional os forçou a fazê-lo. O fato é que, gostando ou não, foi durante esses governos que órgãos de controle ganharam estrutura e protagonismo. Agora, com as investigações sobre corrupção em emendas parlamentares ganhando força, há sinais de que podemos estar no começo de uma nova onda de grandes investigações. Mas, para que os erros do passado não se repitam, é essencial que a sociedade reflita sobre tudo o que aconteceu nas últimas duas décadas no combate à corrupção — desde o fortalecimento inicial dos órgãos de controle até os abusos e a implosão do sistema, que abriram caminho para seu desmonte.
O roteiro da destruição teve protagonistas de todos os lados. A Lava Jato, com Sergio Moro, Deltan Dallagnol e companhia, teve seu momento de glória, quando parecia que finalmente a corrupção no Brasil estava sendo enfrentada com seriedade. Mas, como em toda grande produção que se estende além da conta, vieram os excessos: vazamentos estratégicos dignos de House of Cards, condenações com base em PowerPoints e um flerte perigoso entre justiça e política. No fim, a operação se tornou uma espécie de Lost: começou promissora, mas terminou deixando mais perguntas do que respostas.
Se a Lava Jato tivesse seguido um roteiro minimamente técnico, sem pirotecnia, sem prisões preventivas eternas e sem um juiz que depois aceitaria ser ministro de um governo diretamente beneficiado por suas decisões, talvez o desfecho tivesse sido outro. Em um cenário ideal, corruptos condenados estariam presos, inocentes seriam absolvidos sem margem para dúvidas e o sistema anticorrupção teria saído fortalecido. Mas a realidade brasileira raramente flerta com o ideal.
O vácuo deixado pela auto-implosão da Lava Jato abriu espaço para o que se seguiu: um contra-ataque feroz. Diversos setores prejudicados pelas investigações souberam usar as brechas criadas pelos erros de Moro&Cia.
O discurso era nobre — corrigir os abusos da operação e evitar que a justiça fosse usada como arma política. Mas o objetivo de muitos dos artífices desse contra-ataque não era um ajuste institucional, mas sim dar um passa-moleque nos mecanismos de controle.
Convenhamos: não foi exatamente um choque descobrir que muitos dos que encabeçaram esse movimento estavam menos preocupados com a justiça e mais interessados em enterrar de vez qualquer ferramenta que pudesse voltar a incomodar.
O Coaf é um exemplo claro desse desmonte. O órgão, que deveria atuar como um radar para movimentações financeiras suspeitas, foi jogado no governo Bolsonaro de um canto para o outro com a desculpa de que precisava ser “protegido” do uso político.
O problema é que foi dado um alívio generalizado para políticos e empresários que, no fundo, nunca gostaram da ideia de um sistema de controle eficiente.
Agora, com novas denúncias no horizonte, o país tem a chance de aprender com os erros recentes. O desafio será encontrar um caminho que não transforme investigações legítimas em espetáculos midiáticos, nem permita que o combate à corrupção seja novamente instrumentalizado por interesses políticos. O Brasil já viu esse filme antes — e sabe como termina.