KUALA LUMPUR – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como era de se esperar do político experiente que é, aproveitou obviamente para faturar. Ainda em Kuala Lumpur, na véspera de fazer o caminho de volta para Brasília após uma viagem de quase uma semana ao sudeste asiático, ele posou de ganhador.

Em entrevista para falar do encontro com Donald Trump, Lula disse que espera chegar em “poucos dias” a um acordo com o governo americano para levantar o tarifaço e propagandeou o estreitamento de sua relação com o presidente americano, com quem disse ter trocado números de telefone para manter um canal aberto de contato.

A decantada “química” entre os dois ganhou, afinal, elementos adicionais — para a ira dos bolsonaristas que, acertando em cheio um tiro no pé, trabalharam para incendiar a relação da Casa Branca com o Brasil, acreditando que a imposição das tarifas funcionaria como atalho para aliviar as punições pela tentativa de golpe.

Lula e o governo têm, de fato, motivos para comemorar. Especialmente porque a estratégia escolhida para trazer os americanos para a mesa de negociação parece ter funcionado: o Brasil mostrou que pode abrir frentes de comércio com outros parceiros para compensar as perdas na relação com os Estados Unidos e trabalhou com a ideia de que a punição poderia jogar o país no colo da China de Xi Jinping. Em paralelo, contou com a ajuda de empresários de um lado e de outro que, para não perder mais dinheiro, correram a campo com suas melhores cartas para ajudar na construção de uma solução para a crise.

A reunião de Lula com Trump na moderna e funcional capital da Malásia foi emblemática até nisso. Foi por força das circunstâncias, é verdade, mas o fato de o encontro ter acontecido na Ásia — e, mais especificamente, em um pedaço dela que é “quintal” da China — tem um peso simbólico importante.

Primeiro, porque não é só exercício teórico de geopolítica: os Estados Unidos de fato se preocupam com o esforço de Pequim para avançar nas relações com o Brasil e querem interceptar as investidas chinesas.

Segundo, porque ali em Kuala Lumpur, onde se desenrolava a reunião da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático, estava a prova de que a diplomacia brasileira está, de fato, trabalhando para não depender apenas das grandes potências.

Politicamente, é possível compreender que Lula aproveita o momento e fatura o que tem para faturar hoje. Mas ainda é cedo para cantar vitória. Até por um traço conhecido do estilo Trump: com ele, na Casa Branca tudo pode mudar em cinco minutos.

Agora que as equipes de um lado e de outro vão conversar para tentar chegar a um acordo que leve à suspensão do tarifaço, um personagem em especial causa preocupação: há, do lado brasileiro, a impressão de que Marco Rubio, o secretário de Estado americano, um dos mais ideológicos integrantes do time de Trump, fará o papel de bad cop nas negociações.

Uma coisa é certa: exigências virão. Noves fora o contexto político embutido no anúncio do tarifaço ao Brasil, a imposição de sobretaxas a outros países do mundo pela Casa Branca vem servindo sistematicamente para os americanos garantirem ganhos estratégicos de longo prazo.

Neste giro que faz pela Ásia, aliás, Trump assinou acordos com a Malásia e o Japão (para onde seguiu depois de passar por Kuala Lumpur) para a exploração de terras raras. Assim como o Brasil, os dois países haviam sido alvo de tarifaços.

A primeira reunião entre os negociadores brasileiros e americanos aconteceu ainda na Malásia, mas sem avanços relevantes. Rubio era esperado, mas não apareceu. A próxima rodada de conversas deve ocorrer em breve nos Estados Unidos — e Lula quer que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) também participe, ao lado do chanceler Mauro Vieira.

O aperto de mãos entre Lula e Trump na Malásia ainda não é garantia de solução para a crise. Para o bem ou para o mal, sempre haverá mais cinco minutos.