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Apesar dos sorrisos, corda segue esticada entre governo e cúpula do Congresso

Sob os holofotes, a relação entre o novo comando do Congresso e o Planalto parece ótima. Mas nos bastidores a tensão sobre o controle do Orçamento continua

Lula com Davi Alcolumbre e Hugo Motta
Foto: Ricardo Stuckert/PR

O recado já foi dado por ambos os lados, só não anotou quem não quis. Apesar de toda a comemoração do governo e das promessas de uma nova era de relacionamento e de proximidade com o Congresso após eleição dos presidentes Hugo Motta (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado), na primeira semana de trabalho legislativo do ano ficou claro que a corda com o Palácio do Planalto está esticada, embora ainda não tensionada. Uma questão central é a proposta do governo de isentar do pagamento do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês e o pano de fundo: o controle de uma parte importante da execução orçamentária.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) não incluiu propositadamente nenhuma medida nova na lista de 25 pontos apresentadas nesta quarta-feira, 5, ao Congresso. Desagradou parte do mercado financeiro, mas, nas palavras de integrantes do governo, “seria um erro estratégico” fazer diferente. Nesta nova fase de comunicação e de articulação política já de olho em 2026, o governo quer calibrar muito bem cada movimento em relação a medidas que precisem de aprovação do Congresso. E, nesse sentido, é melhor garantir o que já estava previsto antes de falar em qualquer nova proposta.

A equipe econômica sabe que há um passivo a ser resolvido e que, no fim das contas, a questão passa por uma discussão bem maior: o controle de parte significativa da execução do Orçamento da União. Isso é o que está por trás de todo debate sobre emendas, que foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal). Portanto, antes de resolver esse imbróglio, o melhor é não abrir novas frentes de discussão do Executivo com o Legislativo.

A isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil por mês é uma promessa de campanha e o presidente tem certeza de que será cobrado se não levar o tema adiante. Ao anunciar a medida no final de 2024, o ministro Haddad deixou claro que o projeto seria encaminhado casado com aumento da tributação para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o que atinge em cheio os parlamentares.

Além de financiar a redução do IR para parte importante da classe média, a lógica da estratégia da equipe de Haddad é corrigir uma “distorção tributária”, fazendo com que quem tem patrimônio grande, de milhões de reais, e que acaba se beneficiando de brechas nas regras atuais para pagar menos imposto, contribua com mais. Com isso, pretende-se elevar de cerca de 2% para 10% a cobrança do IR nessa faixa de maior renda. O Congresso, no entanto, só quer aprovar a isenção para classe média.

Durante a abertura dos trabalhos legislativos e escolha dos novos presidentes, a reação a qualquer aumento de impostos estava presente nas falas de oposição e até de parlamentares da base. Motta, o novo presidente da Câmara, fez coro publicamente nesta quinta-feira, 6, por meio das suas redes sociais. Ele criticou o aumento de impostos, afirmando que isso gera empobrecimento do país. “O Estado não cria riquezas. Quem cria riquezas são as pessoas e as empresas. Por isso, aumentar impostos ao invés de reduzir despesas é empobrecer o país”, escreveu. “Não se pode sobrecarregar quem já está com peso demais e melhore alívio”, completou.

As declarações foram uma resposta indireta ao ministro Haddad que, menos de 24 horas antes, ao lado de Motta, no Congresso Nacional, havia repetido o mantra da equipe econômica ao ser questionado sobre o projeto de isenção do IR: “nenhuma renúncia fiscal no Brasil pode ser feita sem compensação”.

Controle do Orçamento
Para um integrante do governo, essa discussão vai se tornar uma moeda de troca para um problema maior que o Congresso tem com o Executivo: uma queda de braço pelo controle de uma parte importante do Orçamento. E isso passa por toda discussão com o STF sobre o rito de processamento das emendas parlamentares. Desde 2015, as emendas serviram para os parlamentares aumentarem gradualmente o poder sobre a execução de parte relevante das verbas da União. Isso porque cresceu a fatia que cabe a deputados e senadores e que deve ser obrigatoriamente executada.

Todo rito de execução do Orçamento é controlado pelo Estado, mas o crescimento do volume de emendas impositivas vem diminuindo o poder do Executivo. Antes, o Orçamento não era impositivo e isso dava absoluto controle à União no gerenciamento dos recursos orçamentários, o que gerava muita reclamação no Congresso. Os recursos de emendas eram os primeiros a serem bloqueados para o governo garantir o resultado fiscal desejado. Para se ter ideia, o volume de emendas parlamentares subiu de cerca de R$ 6 bilhões na proposta orçamentária de 2014 para mais de R$ 45 bilhões em 2024.

O STF entrou na disputa por um questionamento feito pelo PSOL e, agora, é preciso encontrar um meio termo. O Congresso diz que o orçamento não é exclusivo da União, já que trata-se de lei aprovada pelos parlamentares que reflete as necessidades dos brasileiros. Ainda no cargo de presidente da Câmara, Arthur Lira abriu a frente de embate com o Judiciário. A briga, porém, continua. Lira deixou o cargo oficialmente, mas segue como conselheiro de Hugo Motta. E, no Senado, Davi Alcolumbre também já indicou que não quer abrir mão do quinhão conquistado pelo Congresso.

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