Sem a disposição política do governo para encaminhar novas reformas ou propostas que reforcem o compromisso com o equilíbrio das contas públicas neste ano, o Banco Central está sozinho, com uma "batata quente na mão difícil de segurar". A opinião é do economista e ex-presidente do BC Armínio Fraga, para quem a "colheita" que o presidente Lula espera ter em 2025 e 2026 "não vai ser boa". "Vai colher problema", afirmou Armínio em entrevista exclusiva ao PlatôBR (assista em vídeo aqui).
Ele argumenta que, apesar de o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e a nova diretoria da instituição terem um bom relacionamento pessoal com a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda), "profissionalmente" a equipe econômica está "funcionando mal". E explica por que o BC precisa de ajuda.
Armínio, que comandou o Banco Central em um dos períodos mais tensos da história econômica recente, com a mudança do regime cambial em 1999, também falou sobre o pacote do governo para tentar reduzir a inflação dos alimentos e defendeu a criação de uma "Bolsa Família Alimentação" voltada à população mais carente, em vez de medidas heterodoxas de controle de preços.
Ele se coloca ainda contra propostas de mudança na meta de inflação no Brasil, atualmente em 3% ao ano, já defendidas no mercado e analisa as perspectivas de desempenho da economia brasileira nessa reta final do terceiro mandato do presidente Lula dizendo que há risco de recessão no final do ano.
Sobre a avaliação do governo de que o mercado financeiro não gosta de Lula, Armínio diz que o presidente "tem toda razão de ficar chateado" em situações como aquela em que parte da Faria Lima comemorou a queda de sua popularidade, mas "não deveria interpretar isso como uma coisa pessoal". O motivo: o "mercado" que critica é o mesmo que adorou as medidas adotadas no primeiro mandato de Lula.
Indagado sobre as críticas recorrentes a Fernando Haddad - o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse recentemente que ele é fraco -, Armínio Fraga tira o peso das costas do ministro e joga nas de Lula. Ele afirma que Haddad "faz o que o chefe dele manda" e que não sabe o que mais ele poderia fazer. "Talvez bater na mesa pontualmente e se posicionar, mas, no fundo, o maestro é presidente da República".
Ao falar de outro tema candente, as medidas de Donald Trump que têm mexido com a economia global, o ex-presidente do BC, também sócio-fundador da Gávea Investimentos se disse preocupado. Nesta terça-feira, 11, a Casa Branca confirmou a tarifa de 25% sobre aço e alumínio "sem exceções e sem isenções", o que inclui o Brasil. "Eu estou, no momento, preocupado porque acho que a ideia de um mundo economicamente mais aberto é muito poderosa e ela está sendo radicalmente revertida."
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Um tema que hoje faz parte da mesa, do bolso, da vida do brasileiro é a inflação dos alimentos. Essa questão da alta do preço nos supermercados é um problema de difícil condução? É possível reverter no curto prazo?
Esse é um tema muito quente e, de fato, é muito impactante porque, para a maioria da população que tem renda infelizmente baixa a alimentação tem um peso muito grande e o IPCA tem mais ou menos 21%, mas na cesta de consumo das pessoas mais pobres é mais. Não é um assunto fácil, tem várias origens. O preço internacional das commodities, as mais variadas... O que aconteceu com o preço do café, por exemplo, é muito impressionante. O câmbio também afeta e, às vezes, questões climáticas. E a resposta não é trivial. É muito importante o mercado funcionar. Se não, você transforma um problema tipicamente temporário num problema mais permanente, com controles e com subsídios. No cômputo geral, a inflação tem sido um problema não só aqui, mas no mundo inteiro. No limite, é melhor uma solução tipo Bolsa Família do que propriamente alguma heterodoxia que, em última instância, sai pela culatra.
O programa que o governo anunciou para tentar reduzir preços dos alimentos está nessa heterodoxia ou ele é factível? Consegue fazer a inflação ceder no curto prazo?
Eu nem gosto usar muito a palavra inflação, que denota uma coisa mais geral. Os próprios bancos centrais, o nosso inclusive, tratam essas alterações de preços de alimentos, de commodities em geral, frequentemente como um choque temporário. O próprio Banco Central não vai incluir esse aumento de maneira plena, na ideia básica de que isso não é para sempre. E na ideia, mais básica ainda, de que a inflação é uma coisa mais geral. Do ponto de vista social, acho que é disso que a gente está falando, algumas dessas medidas podem trazer algum alívio. Essa discussão vai além do que está acontecendo agora e que passa por cesta básica e a própria criação de um imposto novo, o imposto que foi aprovado, mas está ainda em fase de implantação. Também teve muito lobby para isentar alguns alimentos. Eu acho que, no geral, a melhor solução não é a intervenção direta, é uma intervenção que é da família do Bolsa Família. Essa seria a ideia, se for para fazer alguma coisa. E eu entendo que é um momento de enorme dor para as famílias mais pobres.
Mas seria o quê? Um auxílio cesta básica?
Algum auxílio, por exemplo, algum rebate. A discussão do rebate apareceu também. Acho que é de melhor qualidade econômica e permite com que o próprio mercado, com o tempo, funcione. É importante lembrar que o mercado tem duas dimensões e que, às vezes, uma delas fica esquecida. É sempre lembrar que, se controlar preço, não vai ter oferta. Isso é fundamental. Tem uma segunda que as pessoas têm no mercado uma forma de, no fundo, indicar quais são as suas preferências e isso é importante numa economia livre. Então, acho que essas respostas têm que ser muito cuidadosas, respeitando esse sofrimento das famílias. Mas é preciso pensar bastante. Eu não estou olhando todo o detalhe. Eu sou um pouquinho mais para cético, embora eu ache que a curto prazo alguma coisa pode ajudar, mas com cuidado. Se não houver esse cuidado, aí sai pela culatra. Lá na frente é até pior.
Por que seria até pior? Pelos gastos públicos?
Porque se forem medidas que desincentivam o investimento é um desastre.
Nos cálculos do governo para a redução da inflação no curto prazo há recuo da taxa de juros em relação ao final de 2024 e a não ocorrência de eventos naturais extremos, como seca ou chuva em excesso. Sobre isso o governo não tem controle. A super safra é o que está praticamente contratado, mas no dólar estamos vendo muita oscilação. A semana começou tensa. Como o senhor vê o comportamento dessas variáveis, considerando que 2025 e 2026?
Eu acredito que o que o Banco Central pode e deve fazer é buscar controlar a inflação e lidar, portanto, com todos os itens de consumo das pessoas. Os chamados choques de oferta podem e devem ser administrados pelo Banco Central, tendo como horizonte dois anos, o que se fala tipicamente... Mas pode ser mais, pode ser menos, dependendo do tamanho da encrenca. E o Banco Central pode suavizar esse movimento. Não é apertando demais, mas também do outro lado é simétrica a história. Não pode ser quando é para cima o Banco Central deixa correr, mas quando tem uma super safra e os preços vão lá embaixo ou alguma outra variação dos preços internacionais de commodities, o Banco Central não vai reduzir o juro demais. Por quê? Porque essa inflação mais baixa é temporária. Então, é fundamental que seja um mecanismo simétrico, e que preserve o valor da moeda em geral. Isso é o que dá para fazer. É parte do funcionamento de uma economia de mercado. E o governo pode e deve, na atuação do Banco Central, procurar suavizar um pouco esses ciclos e, na atuação mais regulatória, ter estoques, coisas do gênero. Existem ferramentas consagradas e que eu acho que podem ser usadas com certo cuidado.
Ao falar nessa questão de suavizar a atuação do Banco Central, significa que não é preciso subir tanto os juros e que o choque já contratado está de bom tamanho para controlar essa situação? Ou o quê, especificamente?
A situação está envolvendo uma série de fatores porque houve uma depreciação muito grande do câmbio, que não é exatamente um sinal de confiança no real, mesmo com esse juro (alto). Então, isso não é bem um choque de oferta e tem que ter um outro tratamento mais complexo e, em última instância, o Banco Central tem que deixar claro ele vai perseguir a meta. Agora, se para chegar na meta o Banco Central está tendo que colocar o juro em 15%, que é a expectativa, ou 14,25%, na próxima reunião, é um sinal de que você tem um problema maior. O Banco Central está sobrecarregado e está faltando ajuda do lado fiscal. Esse é o problema maior que nós temos. E essa situação fiscal, no fundo, faz com que a confiança no real caia muito. Todo mundo está olhando: o governo está tomando dinheiro emprestado para pagar juro. Todo mundo que já tomou dinheiro emprestado ou conhece alguém que já caiu no cheque especial, deixou o saldo no cartão de crédito e aquilo foi rolando a uma taxa alta, entende bastante bem essa situação. Então, assim, o Brasil hoje tem uma situação onde o governo paga inflação mais 7,5% (IPCA mais 7,5%) por um período muito longo e não é viável. Estamos meio que enfiando a cabeça na areia com relação a uma questão: em última instância, tem um fundamento fiscal fora do lugar, que precisa ser corrigido. Agora, o governo já deixou claro que não quer mais fazer reforma nenhuma. Isso a meu ver é uma péssima política econômica e tem graves consequências sociais. E não é a longo prazo. É a médio prazo, e até mais a curto prazo porque que tira a confiança na economia e, com isso, o Brasil fica vivendo da maneira que a gente viu nos últimos 40 anos: cresce um pouco durante o período, depois tem uma crise, cresce um pouco, tem uma recessão. Não é bom. Isso está fora do lugar.
Estamos na segunda metade do governo e o presidente já deixou claro que acredita que 2025 e 2026 serão anos de "colheita". Não tem mais espaço para reformas e o que havia a fazer já foi feito. Há o risco de não se fazer mais nada em 2025, 2026, além do que foi anunciado, encaminhado ao Congresso e aprovado no final de 2024. Qual é o risco?
A palavra adequada é colheita, de fato. Só que a colheita não vai ser boa, vai colher problema. Se plantou desequilíbrio, vai colher problema. É basicamente isso que está aí, mais ou menos encomendado.
Sem cuidar do fiscal, pelo que entendi, não se conseguirá avançar na equação, na solução de problemas: a inflação, os juros altos...
Exatamente. E o fiscal precisa de reformas profundas, esse que é o diabo. Mas não tem jeito. Não adianta a gente espernear, dizer "ah, não, não quero fazer a reforma". Está bom, então vai pagar um preço. E o preço disso a gente já conhece. É incerteza, é volatilidade, é insegurança, é insegurança no emprego, é a frustração do crescimento baixo que o país tem tido há mais de 40 anos. Em 40 e poucos anos, o crescimento médio muito baixo, na média. Alguns anos foram bons. Alguns avanços importantes ocorreram na área social, na saúde... Tudo isso é verdade. Mas foi pouco. O Brasil cresceu muito pouco. Podia ter crescido muito mais e pode crescer muito mais. Mas não vai ser sem abordar a Previdência outra vez. Não vai ocorrer se as questões ligadas ao bom funcionamento do Estado não forem abordadas, com uma reforma administrativa bem feita para aumentar a produtividade do Estado também. Não vai acontecer se os gastos tributários, que são enormes subsídios para os mais ricos, não forem encarados. Acho que essa é uma agenda óbvia já há bastante tempo. Isso tudo é coisa grande. Hoje tem um tema quente que são essas emendas (parlamentares) e que estão estimadas em R$ 50 bilhões. Isso é 0,4% do PIB. Sinceramente, o Brasil tem que fazer um ajuste (fiscal) muito maior. Então, o déficit primário de 1% do PIB. Precisaria ter um superávit de 3% do PIB para estancar a sangria. Bom, e aí, como é que vai ficar? O que eu acho absurdo é a falta de transparência. Evidente que o Congresso tem toda legitimidade para se envolver na alocação dos recursos, mas a falta de transparência, não. Essa parte realmente é essa inaceitável.
Esse problema está sendo parcialmente atacado pelo lado da transparência, na discussão com o STF.
Mas o problema maior, que é o desequilíbrio entre a política fiscal e a política monetária, é a ameaça da chamada dominância fiscal. Esse é um problema muito grave e muito grande.
Quando a gente conversa com o governo, há uma leitura que o mercado tem uma irritação com o governo Lula, tem má vontade e sempre vê o que não foi feito e não valoriza o que foi feito. O mercado tem má vontade com o governo Lula?
O mercado não tem má vontade nem boa vontade com ninguém. O mercado gosta de uma economia sadia, que esteja crescendo, com os lucros crescentes, com investimentos rentáveis, com mais segurança, segurança econômica, segurança pessoal. Eu acho que o mercado, no fundo, numa economia de mercado, e não existe outra forma de se organizar a economia, ele gosta de boas políticas econômicas que tragam prosperidade, que permitam bons investimentos. O mercado gosta de volatilidade? Desculpe, mas estou trabalhando no mercado há décadas. O mercado gosta de uma boa tendência, positiva, bacaninha. Onde você vai poder investir, vai poder estudar direito os investimentos, entender o que você está fazendo, que também é um fator de produtividade para a economia. Às vezes, a gente se esquece. O mercado é um cassino? Não é. Usar o capital bem é bastante relevante. Eu entendo que o presidente Lula deve ter ficado chateado quando ele caiu nas pesquisas e o mercado subiu. Eu entendo perfeitamente. Ele tem uma história magnífica, e isso é inquestionável. Mas eu acho que no lado econômico...
Quando ele ficou doente, o mercado subiu...
Eu acho que ele tem toda razão de ficar chateado, mas eu acho que ele não deveria interpretar isso como uma coisa pessoal. Quando ele fez, tomou as decisões que ele tomou quando se elegeu a primeira vez, o mercado adorou. É o mesmo mercado. Então, não é esse o problema. É um problema do estado da economia que influencia os mercados.
Recentemente, o presidente do maior partido da base de apoio do governo, Gilberto Kassab, do PSD, falou num evento do mercado financeiro que, hoje, o governo tem um ministro da economia fraco, que não tem capacidade de influenciar o governo. O senhor considera Fernando Haddad um ministro fraco?
Não acho. Eu acho que ele faz o que o chefe dele manda. Não sei o que mais que ele poderia fazer. Talvez bater na mesa pontualmente e se posicionar, mas, no fundo, o maestro é o presidente da República. Então acho que é uma acusação, neste momento, natural também, porque as coisas estão paradas. Mas, em última instância, o problema está mais em cima.
O senhor já esteve no governo. Há um Banco Central com um presidente novo e uma diretoria relativamente nova ainda construindo a sua credibilidade. Como que o senhor vê hoje a atuação do Banco Central em parceria com a Fazenda, como uma equipe econômica de fato?
Pessoalmente, eu entendo que eles se dão bem, mas profissionalmente, vamos dizer assim, está funcionando mal. Eu acho que o lado fiscal está deixando uma batata quente na mão do Banco Central, difícil de segurar. Bem difícil. O Banco Central está precisando de ajuda. O arcabouço (fiscal), quando surgiu, foi um bom passo, mas ele está tendo resultados limitados. Ele próprio, no início, já nasceu limitado. Ele daria um passo na direção certa, mas não resolveria a questão. Eu tive a chance de comentar isso, inclusive no evento público em Brasília, na presença do ministro, que sempre foi uma pessoa lúcida, que, a meu ver, tomou a decisão correta lá atrás de fazer a manobra no ônibus e tentar caminhar na direção certa. Mas ela não foi 100% implementada e já era um primeiro passo positivo, mas apenas um primeiro passo. Mas eu não fulanizaria, não. Acho que se for para fulanizar, infelizmente é para cima.
E o pacote de medidas do final do ano passado e toda aquela discussão pública que gerou um desgaste para o ministro Haddad e o governo, de uma forma geral? Isso é reversível para 2025, 2026?
Eu acho que, em tese, é reversível se vier o comando para reverter. Mas, hoje, não é isso que está aí sinalizado. Não há dúvida que há uma pressão muito grande de que os últimos dois anos são hora de colher. Para colher, você tem que ter plantado antes. Como o governo não plantou, não vai colher. Ou vai colher problema.
Tem um ponto que é um agravante: a mudança no comando dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, e o presidente Donald Trump com esse vaivém na tarifação. Ficou mais difícil o cenário com Trump?
Muito mais, com certeza. O cenário já vinha complicado. A invasão da Ucrânia, o que está acontecendo no Oriente Médio, aquele terrível massacre em Israel, a guerra fria entre Estados Unidos e China... Não nos iludamos, isso é uma nova Guerra Fria. E aí, nesse quadro que surgiu Trump. Eu estou, no momento, preocupado porque acho que a ideia de um mundo economicamente mais aberto é muito poderosa e ela está sendo radicalmente revertida. A incerteza das políticas do presidente Trump são um fator recessivo. O tratamento que ele dá a seus aliados históricos, os seus vizinhos, humilhante é, a meu ver, inaceitável e incompreensível também. Não é um quadro muito promissor. A ideia é fazer umas reformas no Estado é sempre bom. Repensar algumas coisas, o bom funcionamento do Estado, avaliar, mas acabar com o Estado é um pouco demais. Não está muito claro até onde ele vai. Então, no momento, a chegada dele foi, eu diria, problemática e isso se espelha já um pouco no próprio mercado. Estamos aqui no meio de uma correção bastante forte na bolsa americana. O dólar, que, se imaginava, subiria com introdução de tarifas de importação, está caindo. É um movimento muito baseado em confiança também. É um pano de fundo bem ruinzinho.
Nesse cenário tem muita intimidação de parceiros comerciais, mas algumas medidas concretas, como é o caso da tributação do aço e do alumínio do Brasil, entrará em vigor até que se faça alguma coisa no sentido contrário. Isso repercutirá no crescimento. Qual é a sua previsão para 2025?
Eu procuro não fazer previsão. Tem tanta variável...
O mundo está tão imprevisível?
A previsão é de uma desaceleração no Brasil, com certeza. Pode ser uma recessão.
Já em 2025?
Pode. Mais para o final do ano. Não quero fazer previsões porque tem muitas, vamos chamar assim, partes móveis na equação. Mas há risco, sim, de uma desaceleração forte. E ela combina uma política monetária apertada e um clima global bastante preocupante. Tem algumas coisas que eu estou bem curioso para ver. Qual vai ser a resposta da Europa? A Europa está dando sinais que foram reforçados com essa posição americana com relação à Ucrânia, muito interessante também.
Já tem gente que diz, na verdade, que o movimento é Make Europe Great Again, e que a Europa despertou. O destaque é a Alemanha, uma economia que sempre foi fiscalista. Austeridade fiscal acima de tudo e, agora, propôs um mega programa para os próximos anos de investimento em segurança e também modernização da indústria...
A Alemanha é um caso um pouco à parte porque ela construiu a credibilidade. Ela construiu uma base fiscal sólida para agora poder gastar 20% do PIB que eles estão prometendo gastar. Isso é um caso perfeito porque é uma economia que trilhou uma política fiscal, vamos dizer, mais austera. Ao contrário do seria uma visão intuitiva “curtoprazista”. A Alemanha tem tido um desempenho extraordinário. E agora, de fato, a concorrência na indústria, que é uma área forte da Alemanha, vinda da China, tem sido duríssima. As questões de estratégicas com a Rússia são complicadas. E a Alemanha pode com esse tipo de política? O problema desse tipo de política é o seguinte: é para quem pode, não é para quem quer. A Alemanha pode. Os outros, menos. Então, vamos ver como é que esse troço vai, no final das contas, acontecer. E o outro ponto é o seguinte: a Europa está envelhecendo bem rápido, fez opções de estilo de vida bem diferentes das opções americanas. E bem diferente das opções asiáticas. As pessoas têm mais tempo de lazer e proteção social maior. Isso tudo foram opções da Europa. O que a Europa precisaria, na verdade, é que esse processo fosse viável a longo prazo. Isso é o que está sendo questionado. Não dá. Está caro demais. Então, a ideia de que uma expansão fiscal vai ser a solução para o problema europeu. Não vai. Não. Talvez ajude no caso alemão porque eles são muito disciplinados. Certamente vão gastar bem o dinheiro, e eles podem gastar. Outros não podem.
Mas esse cenário também é um cenário inflacionário mundialmente, não é? O que penaliza também economias como a brasileira... Ou não?
Os últimos 20 anos, 30 anos de inflação formam um período muito interessante. De um lado, houve um consenso na linha de ter bancos centrais independentes, voltados para o controle da inflação. Foi um grande sucesso. Veio a pandemia, as inflações subiram, mas já estão caindo de novo. Existe essa visão de que a inflação não ajuda em nada. Temporariamente, às vezes, sim. A inflação sobe, os bancos centrais podem errar um pouco a mão aqui ou ali. Agora, no geral, a base fiscal também tem que existir para que os bancos centrais consigam fazer esse trabalho direito. Acho que, hoje, há uma certa euforia com relação ao que a Europa vai fazer. Tudo bem, mas a Europa fez opções. A produtividade da Europa, eu diria, é alta. Por hora trabalhada, a produtividade europeia é bastante alta. Então, assim, eu ainda acho que a médio prazo o problema da Europa tem a ver com demografia. A questão da imigração é colossal e, portanto, é um pouco cedo para soltar rojões e achar que agora vai.
Com essa reconfiguração mundial, com novas lideranças que assumiram postos chaves, como Donald Trump nos Estados Unidos, um patamar de inflação para uma economia como a brasileira de 3% é muito baixo? É possível conviver com uma inflação um pouco maior, na casa entre 4% e 5%, ou isso seria um problema muito grave para o Brasil?
Essa história é bem antiga. Tem economistas sérios defendendo um aumento da meta (de inflação). Eu não sou defensor. Eu acho que seria uma bobagem. Eu não tenho nada contra suavizar um pouco a volta à meta em situações limítrofes. Mas mexer na meta eu realmente não mexeria. Eu acho que o que falta aí é mesmo um apoio fiscal. A mudança de meta seria quase que instantaneamente engolida pela economia, sem ganho. Os preços vão subir e pronto, o gato comeu. Então, eu não mexeria, não. A inflação agora está alta, em 5%? Não vou conseguir trazê-la para a meta em 18 meses. Sem ajuda fiscal, mais ainda...
Mas essa suavização não come a credibilidade do Banco Central? Há um histórico recente, na gestão de Alexandre Tombini no BC, em que ele foi acusado de ter sido leniente, aceitado uma inflação um pouco maior e, com isso, ter feito o caldo desandar. Há uma preocupação neste Banco central em construir essa credibilidade para ser um Banco Central novo?
Não vejo nada neste momento que possa merecer qualquer acusação ao Banco Central. Ele está fazendo o trabalho dele. Agora, fazer esse trabalho com uma política fiscal frouxa em relação ao que ela deveria ser, é um pouco mais difícil. Acho que, desde que fique claro que a inflação está caindo, administrar esses choques de oferta num horizonte de tempo de mais do que um ano, levar dois anos, três anos para chegar na meta não é nenhum pecado. Agora, o nosso caso hoje, eu diria, é mais grave. Não é um ponto na inflação que vai resolver coisa alguma, na minha opinião. Dois pontos ou três no saldo primário, aí, sim.