Mais do que fechar as contas públicas em 2025 e 2026, a articulação do governo Lula com o Congresso para solucionar a crise do aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) serviu como uma espécie de desagravo para o ministro Fernando Haddad (Fazenda). Depois de passar semana passada sob críticas, Haddad conseguiu, nos últimos dias, se livrar, ao menos momentaneamente, do rótulo de voraz cobrador de impostos que desrespeita os congressistas e atropela até mesmo o Banco Central.
Desde o próprio Lula até os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), todos foram só elogios ao ministro e ao esforço dele para construir uma agenda com propostas estruturantes que substituirão as medidas impopulares anunciadas dias atrás.
Considerado um quadro importante do PT nas eleições do ano que vem, Haddad é homem de confiança do presidente e sua lealdade é reconhecida até mesmo por quem discorda das políticas de sua equipe econômica. Além disso, é comum ouvir que ele se tornou “um pilar” da gestão Lula-3.
O movimento para reverter o desgaste sofrido pelo ministro no episódio do IOF é parte de uma estratégia do Planalto. Permitir a consolidação da imagem de vilão só atrapalharia ainda mais o governo, que luta para desfazer a avaliação cada vez mais negativa.
Internamente, já se esperava a divulgação, nesta semana, de pesquisas apontando um aumento nos índices de desaprovação. Combinar isso com um ambiente de tensão em torno do pacote anunciado por Haddad só pioraria o quadro. Dessa leitura sobreveio, então, a necessidade de dar passos atrás e baixar a temperatura.
No front da economia, há inclusive alguma dose de alívio. Dados da pesquisa Quaest divulgada nesta quarta-feira, 4, mostram que, embora a avaliação do governo em geral continue ruim, diminuiu a percepção negativa em relação à economia que vinha predominando até então.
Na prática, foi deflagrado um esforço conjunto para defender Haddad. Ao PlatôBR, um interlocutor graduado do governo disse que “o Brasil tem que fechar as contas e ele (o ministro) apontou uma fonte de receita”. “Se o Congresso não quer, é preciso achar outra”, emendou.
O presidente Lula foi o primeiro a sair em defesa do chefe da Fazenda, em entrevista no Palácio do Planalto ainda na terça, 3. “O Haddad, no afã de dar uma resposta logo à sociedade, apresentou uma proposta que ele elaborou na Fazenda”, justificou.
Após um almoço no Palácio da Alvorada no mesmo dia, foi a vez de Hugo Motta dizer que estava estimulado para construir uma agenda conjunta com a Fazenda. Motta afirmou que “o ministro Haddad, com muita competência, com toda sua equipe, apresentou um rol de medidas que podem ser escolhidas para a discussão avançar”. Na sequência, Alcolumbre exaltou “a maturidade política e institucional” do ministro, que, segundo ele, “se mostrou completamente aberto a dialogar”.
O desfecho das conversas levantou o ânimo na Fazenda, que estava acuada no meio da crise e diante da movimentação da oposição para derrubar o decreto presidencial.
Haddad foi, por muito tempo, e desde a transição de governo, um interlocutor importante com o Congresso. Mais recentemente, porém, acabou se desgastando – no início deste ano, um dos motivos foi a crise do Pix.
Plano B
O governo e o PT têm razões de sobra para preservá-lo. Embora já tenha dito textualmente que não será candidato a nada em 2026, especialmente dentro do partido há quem o veja como uma importante opção eleitoral.
Em entrevista ao PlatôBR, o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), um dos principais quadros da estrutura petista, apontou o ministro como principal alternativa dentro da legenda para o caso de Lula decidir não tentar a reeleição. Ainda que isso não se concretize, o nome de Haddad cogitado para disputar outros postos, como uma cadeira no Senado por São Paulo.
“Haddad é sério e não era possível entregá-lo de bandeja aos leões”, diz o interlocutor oficial. Ele admite que a virada no final de semana foi surpreendente e que o papel do presidente da Câmara foi importante. Hugo Motta, de acordo com pessoas próximas, sempre teve um bom relacionamento com Haddad e não tinha interesse de abrir uma guerra com ele. No entanto, precisou subir o tom publicamente após declarações do ministro que tentavam transferir para o Congresso a responsabilidade pelo descontrole fiscal. Atendeu, antes de tudo, a apelos das lideranças da casa.
“Da mesma forma que o governo garantiu que pode ou não apresentar uma alternativa, também deixamos claro que a nossa alternativa pode ser, sim, pautar o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) e sustar o decreto do governo”, chegou a dizer o presidente da Câmara após encontro de líderes na quinta-feira, 29. No mesmo dia, ele deu prazo de dez dias para que a Fazenda apresentasse alternativas às medidas, o que acabou acontecendo apenas quatro dias depois.
A tensão começou a ser desfeita no final da semana. Ministros palacianos e o próprio presidente entraram em campo para evitar o pior e tentar construir uma solução. A união dos poderes, agora, criou a expectativa em torno de uma agenda econômica conjunta para o país que ninguém mais acreditava ser possível. Nas palavras de integrantes da própria equipe de Haddad, porém, nada ainda está garantido.
No próximo fim de semana, atendendo a um pedido de Hugo Motta, o pacote alternativo será apresentado aos líderes partidários do Congresso. É preciso, primeiro, convencê-los. Só depois será possível respirar aliviado. Do lado do Poder Executivo, a expectativa é positiva. “A tensão reduziu e o diálogo ajuda”, diz um técnico do governo.