Como já revelado nas investigações sobre a tentativa de golpe, atacar sistematicamente o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e seus ministros, acusando-os de abuso de poder e de desrespeitar as leis e a Constituição, era uma estratégia para descredibilizar o tribunal e minar sua capacidade de controlar os atos delinquentes

Segundo o plano dos golpistas, essa era uma “ideia força” que deveria ser reproduzida por todos – da cúpula do governo federal, militares, parlamentares e seguidores – para fragilizar o tribunal. E assim foi feito.

Na execução do plano, os tribunais foram atacados seguidamente, acusados de manipular as eleições, de proferir decisões secretas, de impor censura desmedida às redes sociais, de ignorar pedidos de defesa, de perseguir uns para privilegiar outros.

Essas ideias foram aos poucos sendo desconstruídas, com a divulgação de dados e a publicidade dada às investigações. Entretanto, vez ou outra uma “ideia força” aparece e sensibiliza alguns incautos, colocando os tribunais novamente na berlinda e dando combustível para os golpistas.

A mais nova “ideia força” explora a noção de que as penas aplicadas aos envolvidos no 8 de janeiro seriam absolutamente injustas e desproporcionais, tendo como personagem “a mulher do batom” que, segundo a denúncia da PGR, participou da tentativa de golpe do 8 de Janeiro.

Nessa “ideia força”, são exploradas algumas falácias. Uma delas é de que as penas seriam altas porque o ministro Alexandre de Moares é um vilão. Ignoram que as penas têm sido aplicadas por ampla maioria do tribunal, em votações que contam com um ou dois dissensos. Moraes é, nesses casos, um entre onze ministros. Até mesmo o ministro Luiz Fux, que ponderou sobre penas altas, fez parte da maioria que aplicou tais penas a centenas de acusados de tentativa de golpe e tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito.

Outra falácia sugere que o tribunal teria ampla margem de definição das penas. Não tem. Os critérios são razoavelmente objetivos e as penas para os crimes estão definidos em lei – lei que, inclusive, foi debatida e aprovada por ambas as casas do Congresso Nacional e sancionada por Jair Bolsonaro, presidente da República à época. Foi o legislativo que determinou penas altas a esses crimes: para o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, 4 a 8 anos de reclusão; para tentativa de golpe, 4 a 12 anos de reclusão, além da pena correspondente à violência, nos dois casos.

O debate jurídico sobre as penas avalia se o tribunal tem considerado adequadamente as causas de aumento e diminuição nos casos concretos e se considera que houve a prática de dois crimes (concurso material), hipótese em que as penas de ambos são somadas, ou se haveria a prática de apenas um crime e aplicação de sua pena. Nesse ponto, também há uma ampla maioria do tribunal avaliando que há concurso material e, portanto, as penas deveriam ser somadas. Posições jurídicas igualmente válidas que em nada sugerem ditadura judicial ou tribunal de exceção.

A maior falácia de todas, entretanto, é aquela que sugere que nada de grave aconteceu no 8 de janeiro. É a “ideia força” de que o golpe seria um levante legítimo, uma resposta adequada aos abusos dos tribunais. Aqui, o problema não é jurídico; é lógico e ideológico: trata-se de acreditar nos fatos e no que eles representam. Assim como há quem considere o golpe de 1964 um movimento, há quem considere o 8 de Janeiro um protesto.

Mesmo após a revelação da estratégia por detrás das “ideias força”, a armadilha segue ativa e alimentando o desgaste do tribunal, sobretudo através da anistia. Há muitas questões jurídicas nos julgamentos do 8 de Janeiro e que merecem debate, críticas e elogios, mas nenhuma delas deslegitima o tribunal e a autoridade de suas decisões.

Eloísa Machado é coordenadora do projeto Supremo em Pauta, da Fundação Getúlio Vargas (FGV)