O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) escolheu a trincheira mais segura para receber a esperada notícia de que virara réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por vários crimes relacionados á tentativa de golpe de Estado. Em vez de ouvir o resultado no plenário do STF, onde acompanhou o primeiro dia de julgamento, face a face com o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, o ex-presidente foi para o Congresso, se abrigou no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-SP), seu filho, e atraiu aliados. Após o fechamento do placar de 5 a 0 pela aceitação da denúncia, o ex-presidente já tinha plateia formada para ouvir sua reação. Foram duas longas entrevistas concedidas na porta lateral do Senado.
Bolsonaro se colocou como vítima de perseguição, sentimento evocado por muitos que foram presos no ato de 8 de janeiro e que receberam penas severas do STF. Também pediu mobilização pela votação do projeto de lei que prevê anistia para todos, até para os que não foram condenados, e chamou apoiadores para as manifestações marcadas para o próximo dia 6 de abril, em São Paulo. "Anistia é passar perdão, é passar a borracha”, afirmou. “[Anistia] é fazer o Brasil voltar à sua normalidade. Eu não quero conflito, confronto. Eu quero o bem-estar do meu povo. Não tenho obsessão pelo poder, tenho paixão pelo Brasil”, continuou. Em uma segunda entrevista, no final da tarde, lembrou: "Eu não estou morto ainda. Eu vou voltar a andar pelo Brasil. O povo gosta de mim".
Nas circunstâncias atuais, o Congresso é o único lugar onde as falas de Bolsonaro podem surtir algum efeito prático. O objetivo é inflar os ânimos dos seguidores e dos parlamentares aliados para tentar obrigar o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar o projeto de lei da anistia para os que prevê anistia para os que participaram do 8 de janeiro e para ele próprio.
Na tarde desta quarta-feira, 26, após o julgamento, a possibilidade de o projeto avançar passou a preocupar governistas no Congresso. O PT e lideranças de outros partidos de esquerda viram a mobilização feita pelo PL, maior bancada da Câmara, ganhar a simpatia de parlamentares do Centrão. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, defendeu até que os discursos na tribuna sejam contidos. "Eles estão anistiando condenados. A pessoa que faz isso está cometendo um crime. O deputado que entrar nessa onda tem que assumir a responsabilidade, porque ele está cometendo um crime passível de prisão preventiva", disse Lindbergh a jornalistas, sem explicar, no entanto, a que tipo de crime estava se referindo.
O exagero de Lindbergh tinha motivos na notícia de que cerca de 190 deputados ouvidos em uma enquete feita pelo jornal "O Estado de S. Paulo" haviam respondido que concordavam com a proposta. O próprio petista procurou ouvir a opinião de outros líderes e se deu conta do apoio crescente. Com essa percepção, ele admitiu que, se pautado, o projeto tem chances de ser aprovado na Câmara.
Nessa situação, os governistas se veem nas mãos do presidente da Câmara, Hugo Motta. A única chance de não ver o projeto andar a passos largos na Câmara é fazer valer um compromisso que Motta teria assumido de só levar ao plenário matérias de consenso. Ou seja, nada de requerimentos de urgência, como o que o PL quer forçar para aprovar a anistia sem passar por comissões de mérito.
Motta está em viagem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Japão e pelo Vietnã e, quando voltar, terá que enfrentar esse impasse que o acompanha desde que foi eleito para o comando da Câmara. De um lado, o PL pede a tramitação célere da proposta e, de outro, o PT exige que ele não paute o projeto.
Pena dura demais
Antes da decisão do STF, os governistas contavam com a ideia de que o Centrão não estava interessado na anistia. Agora, os governistas percebem uma mudança no clima. O temor é que integrantes do blocão parlamentar eleitos por estados com maioria de apoiadores do ex-presidente passem a defender a anistia. Conta para essa percepção, por exemplo, a forte movimentação do PL nesse sentido e uma conversa recente entre o próprio Bolsonaro e o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Também pesa nas preocupações dos governistas o sentimento crescente de que as penas aplicadas aos condenados do 8 de janeiro foram muito altas. Esse argumento ganhou terreno no Legislativo.
Nesse rumo, as divergências apresentadas pelo ministro Luiz Fux em relação à dosimetria empregada pelo ministro Alexandre de Moraes em suas decisões se somam a um sentimento, presente na Câmara, de que as penas foram muito duras contra as pessoas que vandalizaram os prédios públicos, e que isso as coloca na condição de vítima perante a sociedade. Eles elementos, se bem trabalhado pelos aliados de Bolsonaro, podem levar Motta a pautar o projeto. Basta que um número grande de líderes defenda esse encaminhamento, avaliam políticos do Centrão.
"Pessoa de bem"
Vice-líder da oposição, o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) é bolsonarista e concorda que o argumento de que as penas aplicadas pelo STF aos manifestantes são exageradas é compreendido pela sociedade. Entende também que essa avaliação ganhou adeptos em um momento de fragilidade do governo, que amarga desgastes de popularidade devido à inflação de alimentos. "As pessoas estão com muita dificuldade de comprar alimentos, de ir ao mercado, e acabam se deparando com casos absurdos, como é o caso de uma mãe, sem antecedentes criminais, e que é condenada a uma pena maior que a de estupradores e assassinos, esse assunto acaba chegando nas casas dos mais humildes, e não tem como a gente esperar que o brasileiro tenha uma outra atitude que não seja o apoio à anistia. O brasileiro é uma pessoa de bem, quer o bem para o próximo".
Marcon também disse que vê mudança no humor de líderes do centrão em relação ao requerimento de urgência do projeto, e aposta que em 15 dias Motta será convencido a colocar a proposta em votação. "A gente deve ter a assinatura de diversos partidos, passando pelo Republicanos, o PL, o Podemos, o PSD, o União Brasil. Todos esses líderes devem assinar", afirmou.