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As vitórias brasileiras no G20

Quando a Reunião dos Líderes do G20 se encerrou oficialmente, no Rio de Janeiro, o clima era de alívio e celebração entre diplomatas e demais membros do governo Lula. Alívio porque, após um ano intenso de preparação e negociações exaustivas, o encontro quase se frustrou graças à eleição de Donald Trump e às ameaças do presidente argentino, Javier Milei, de romper o consenso do bloco. Celebração porque, na longa declaração final do G20, foram contemplados todos os pontos definidos como prioritários pela presidência brasileira: combate à fome, mudanças climáticas e reforma da governança global.

A mais importante façanha do Brasil foi tirar do papel a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, que já conta com a adesão de mais de 80 países. Espera-se que regras internacionais de taxação dos super- ricos sirva como fonte de financiamento da nova iniciativa, que tem a meta ambiciosa de acabar com a fome no mundo até 2030.

O documento também traz menções à emergência climática, à transição energética e à reforma das instituições multilaterais. Se nada parece tangível à primeira vista, vale recordar que o G20 é espaço de compromissos gerais, não de implementação de políticas específicas. Analisando os resultados do G20 como espectador externo, compartilho do otimismo da diplomacia brasileira. O encontro foi um sucesso coletivo e uma vitória para o Brasil. Mas isso só aconteceu porque as circunstâncias eram razoavelmente favoráveis.

Essa afirmação pode parecer estranha quando tudo indica que estamos à beira de uma escalada nuclear no conflito entre Rússia e Ucrânia. Permitam-me explicar. Globalmente, talvez estejamos diante da última janela de oportunidade de celebrar compromissos multilaterais.

A chamada “ordem internacional”, como a conhecemos, está prestes a ruir. O retorno de Trump à Casa Branca será um grande desafio para uma cooperação ampla em torno de temas ambientais e econômicos. Diante de um cenário de incertezas, o próximo G20 provavelmente se esvaziará.

O novo-velho governo americano rompe com o paradigma dos últimos 80 anos, em que os Estados Unidos, bem ou mal, desempenharam o papel de fiador da ordem internacional. Os rumos do multilateralismo sempre dependeram da anuência ou mesmo do envolvimento de Washington.

Trump se vangloria de não se envolver diretamente em conflitos internacionais, o que até pode ser verdade em alguns casos. Mas a retirada dos EUA do tabuleiro geopolítico é o prenúncio de tempos difíceis para ucranianos e sobretudo para palestinos, que ficarão mais isolados em meio às guerras que ainda perduram.

Isso para não dizer das tarifas unilaterais prometidas pelo Republicano a partir do primeiro dia de mandato, que prometem desorganizar ainda mais o comércio internacional. Ou do desejo de Trump de investir em combustíveis fósseis, a despeito de estarmos próximos de um “ponto de não-retorno” climático.

Ainda que as negociações prévias à reunião de cúpula do G20 no Rio não pudessem prever o resultado das eleições americanas, o resultado do encontro conferiu um respiro ao multilateralismo. Pode ser que, ano que vem, os EUA simplesmente abandonem tudo o que foi acordado. Mas os custos políticos aumentaram.

Outro aspecto da conjuntura favorável do encontro deste ano diz respeito à política externa brasileira. Ano passado, o presidente Lula dedicou seus esforços pessoais a grandes viagens ao exterior e à mediação de conflitos emergentes.

Paradoxalmente, era necessário que o Brasil ajustasse os rumos de sua diplomacia para que a cúpula do G20 desse certo. A frustração quanto à incapacidade brasileira de exercer seu protagonismo acabou trazendo um choque de realidade. Nas últimas duas décadas, o mundo mudou e o Brasil também.

Assumimos a presidência do G20 não mais no espírito de salvar o planeta, mas de trabalhar os “consensos possíveis”. Esse foi um relevante ajuste de expectativas. As metas do Brasil foram ambiciosas, mas dentro de limites muito claros e estreitos. Nas circunstâncias domésticas e internacionais que se impuseram, a declaração final do G20, reflexo menos do idealismo e mais das possibilidades reais, foi bastante consistente.

Mas o trabalho do governo Lula não para por aí: ano que vem, à frente dos BRICS+ e da COP em Belém, a diplomacia brasileira terá que seguir trabalhando pela realização dos compromissos abrangentes definidos pelo G20.

Num mundo em transformação, mais incerto e menos cooperativo, o exercício da criatividade diplomática será fundamental para manter o multilateralismo vivo – e assegurar que ele volte a funcionar, apesar dos obstáculos. No que depender do Brasil, esse parece ser um objetivo não só desejável, mas também possível.

Guilherme Casarões é professor da FGV EAESP, coordenador do Observatório da Extrema Direita e fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e do Washington Brazil Office (WBO)

"Os artigos publicados nesta seção não refletem, necessariamente, a opinião do PlatôBR."

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