Seguindo o dito popular “gato escaldado tem medo de água fria”, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, ajustou a narrativa sobre a política fiscal para adaptar sua gestão à realidade da autoridade monetária independente e minimizar o risco de atritos com o governo. Afinal, a independência tem dois lados: quem não quer interferência na sua atuação também não deve interferir nas escolhas do Executivo, onde o presidente eleito tem a prerrogativa de definir sua política de gastos.

A postura que marcou a passagem de Galípolo pela Comissão de Assuntos Econômicos no Senado nesta terça-feira, 22, é fruto do aprendizado na gestão anterior, na qual o Banco Central, na avaliação de técnicos do governo, cruzou uma linha tênue ao assumir postura crítica à condução de uma política fiscal expansionista, algo que não estaria sob a competência da instituição. Isso rendeu ao então presidente, Roberto Campos Neto, muita dor de cabeça e desafetos no governo, como o próprio presidente Lula.

Diante de um plenário repleto de parlamentares armados com discursos e questionamentos para esquentar o debate sobre aumento dos gastos federais, elevação da dívida pública e estímulos ao consumo, o que vai na contramão da alta de juros promovida pelo BC, Galípolo foi estratégico e direto: “Ao BC importa menos saber o que acham os diretores da instituição sobre a política fiscal” e, mais, “analisar como os agentes econômicos estão avaliando o impacto dela na economia”.

Na prática, ele quis delimitar territórios. Não cabe ao BC independente julgar se uma política pública está certa ou errada, mas sim avaliar o reflexo que cada escolha do governo terá sobre a missão dele de manter a inflação dentro da meta estabelecida e reagir da forma que achar mais conveniente.

Foi a primeira vez, desde que assumiu a presidência da instituição, em janeiro, que Galípolo prestou contas na CAE sobre a atuação do BC, como determina a legislação.

A fala dele marcou uma mudança de postura para o Legislativo, o Executivo e para o próprio Banco Central, já que a independência da autoridade monetária no Brasil é algo recente. A lei que estabeleceu mandatos fixos e não coincidentes para os diretores do BC foi aprovada em 2021 e passou a valer, de fato, em 2022, com uma equipe que já estava no cargo e perfeitamente adaptada ao governo anterior.

O presidente Lula assumiu em 2023 e teve que conviver com Campos Neto, indicado pela gestão de Jair Bolsonaro. A troca no comando da autoridade monetária no início de 2025 foi considerada o grande teste da autonomia do BC. Mais do que saber conviver com críticas e cobranças, um grande aprendizado, para integrantes do governo é preciso entender que os diretores do Banco Central, que definem a política de juros no país, não são mais integrantes da equipe econômica, como antes.

No comando de uma autarquia subordinada ao Ministério da Fazenda, o presidente do Banco Central, num passado recente, não só executava a política monetária e cambial como participava de todas as discussões internas no governo, opinando e avalizando as linhas de atuação. Ex-presidentes como Gustavo Franco, Armínio Fraga e Henrique Meirelles chegaram a personificar as políticas econômicas dos governos nos quais trabalharam.

Agora, como definiu Galípolo, a lógica é outra. Comparando com um concurso de miss, em uma analogia atribuída a John Maynard Keynes, o economista britânico tratado como papa da macroeconomia moderna, Galípolo disse que “não importa” para os diretores do BC a candidata que eles acham mais bonita, mas “a que os juízes vão votar como a mais bonita” porque é isso que, no final, vai interferir no mandato deles para garantir a estabilidade da economia.

No entanto, apesar dessa delimitação de território que ele tenta impor, o BC, mesmo independente, ainda segue vinculado à Fazenda, apesar de não ser subordinado. E o presidente da autarquia integra o CMN (Conselho Monetário Nacional), órgão deliberativo do sistema financeiro responsável pela definição das diretrizes para a política monetária. Além disso, o mercado financeiro ainda olha para Galípolo como o conselheiro queridinho capaz de influenciar o presidente Lula.

Galípolo, porém, indicou que acompanha, mas à distância, todos os esforços dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) para definir a política fiscal e defendeu que isso passa por debates transparentes que devem acontecer à medida que a democracia brasileira permitir.