Ainda sem data para lançamento no Brasil, mas disponível para compra no site do Instituto Hercule Florence (IHF), o livro “Cartografia migrante”, da escritora italiana Chiara Vangelista, não é apenas mais uma biografia do desenhista, pintor, tipógrafo, inventor, comerciante e fazendeiro Hercule Florence (1804-1878), um dos pioneiros da fotografia. A obra corrige imprecisões, lacunas e interpretações equivocadas centenárias sobre Florence.

Durante décadas, a história oficial classificou Hercule Florence somente como francês, por ter nascido em Nice. Mas a história, como Vangelista mostra agora, é mais complexa — e muito mais interessante: quando já vivia no Brasil, Florence também obteve cidadania italiana, por afinidade política com os ideais da unificação da Itália, no século XIX.

Hercule deixou a França aos três anos, após a morte do pai, um francês, e se mudou para Mônaco, origem de sua mãe. Aos dezenove anos, embarcou para o Brasil com um passaporte monegasco.

A adesão dele à causa da unificação italiana foi, segundo a biógrafa, um gesto de oposição à monarquia absolutista de Napoleão III e um sinal claro de que, para Florence, a pátria era uma escolha ética e ideológica — não apenas geográfica. Em seu segundo casamento, ele próprio se definia como italiano.

Um trecho da biografia é particularmente revelador:

“Sua pátria era uma ideia, não um ponto no mapa. Ao declarar-se italiano em seu segundo casamento, Hercule não apenas assumia uma nova cidadania: ele se posicionava no mundo”.

A coluna ouviu Antonio Florence, fundador do IHF e tetraneto de Hercule Florence. Para ele, além de ser uma reparação histórica da nacionalidade, “Cartografia migrante” devolveu dimensão humana ao personagem, revelando suas escolhas e o contexto de sua época. Mais do que um resgate documental, foi também um reencontro simbólico: “Ela me apresentou ao meu antepassado”.