Em sua denúncia contra Jair Bolsonaro, o PGR Paulo Gonet desenha em detalhes como a suposta organização criminosa liderada pelo ex-presidente atuou desde 29 de junho de 2021 em uma estratégia para desacreditar as eleições, que evoluiu a planos frustrados para matar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes após o revés eleitoral de 2022 e teve seu ato final no 8 de Janeiro de 2023.
Além de momentos em que o ex-presidente atentou clara e publicamente contra a democracia — em lives, discursos ou reuniões de seu governo — a acusação da PGR cita ao menos cinco pontos-chave em que provas obtidas pela Polícia Federal com assessores demonstrariam ciência e controle de Bolsonaro sobre o golpismo.
Quatro figuras são centrais para essas conclusões de Paulo Gonet: o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, delator premiado, que tem posição de destaque nesse sentido; o general Freire Gomes, o ex-comandante do Exército que resistiu ao golpe; o general Mário Fernandes, ex-assessor da Secretaria-Geral da Presidência do governo Bolsonaro; e o ex-assessor especial Filipe Martins.
Por outro lado, as acusações devem reforçar a tese da defesa de Bolsonaro de que as suspeitas contra ele, agora formalizadas em denúncia ao STF, são baseadas sobretudo nas palavras e provas de um delator, Cid.
Veja abaixo quais são estes pontos.
Relatório sem fraude eleitoral foi “segurado”
Com base em depoimentos de Freire Gomes, Mauro Cid e o ex-comandante da Aeronáutica Baptista Júnior, o chefe da PGR afirmou que Bolsonaro sabia não ter havido qualquer fraude nas eleições de 2022 desde o primeiro turno. Isso porque um relatório de fiscalização do sistema de votação eletrônica feito pelas Forças Armadas havia sido concluído após a primeira votação, que levou Lula e Bolsonaro ao segundo turno, sem detectar qualquer irregularidade.
Segundo Baptista e Cid, no entanto, Bolsonaro atuou para que essa conclusão não fosse divulgada, o que enfraqueceria a tese de fraude em uma possível derrota. Segundo o delator, o ex-presidente também tentou interferir na conclusão das Forças Armadas.
Carta de Kids Pretos para pressionar comandantes por golpe
A PGR afirma que Bolsonaro tinha conhecimento sobre uma carta articulada por Kids Pretos, integrantes de forças especiais do Exército, arregimentados para os planos golpistas, por meio da qual eles planejavam pressionar o alto comando da Força a aderir ao golpe.
As evidências citadas por Gonet para chegar a essa conclusão são mensagens trocadas entre Mauro Cid e o coronel do Exército Sérgio Cavaliere. Em 26 de novembro de 2022, quando o documento estava sendo planejado, Cavaliere perguntou a Cid se o “01”, referência a Bolsonaro, sabia sobre a iniciativa. O delator respondeu que sim.
Planos para matar Lula, Alckmin e Moraes
Segundo Paulo Gonet, Bolsonaro tinha “ciência” e “anuência” em relação ao plano batizado como “Punhal Verde Amarelo”, desenhado para monitorar e matar Lula, Alckmin e Moraes.
As investigações concluíram que o general Mário Fernandes, lotado na Secretaria-Geral da Presidência, imprimiu o documento no Palácio do Planalto em 9 de novembro de 2022 e o levou ao Palácio da Alvorada no mesmo dia. Conforme a PGR, para “tratativas” com Bolsonaro.
Em um áudio enviado a Mauro Cid em 8 de dezembro de 2022, Fernandes relatou que havia estado pessoalmente com o então presidente e debatido com ele o momento ideal para as ações violentas. Disse Fernandes: “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas (…) ai na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”.
Ajustes em decreto do golpe
A denúncia da PGR narra que Jair Bolsonaro recebeu de Filipe Martins, em 6 de dezembro de 2022, uma minuta de decreto que apontava supostas interferências do Judiciário no Executivo e decretava a realização de novas eleições, além da prisão de autoridades como Alexandre de Moraes e o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Segundo Mauro Cid, Bolsonaro fez ajustes na minuta, que passou a prever a prisão somente de Moraes, mas manteve a convocação de novas eleições. Foi esse documento que, conforme Cid e o general Freire Gomes, então comandante do Exército, Bolsonaro apresentou em reuniões com representantes das Forças Armadas em 7 de dezembro de 2022, no Palácio da Alvorada. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, também estava presente.
Discurso apreendido na sala de Bolsonaro
Paulo Gonet tratou na denúncia sobre uma prova colhida no celular de Mauro Cid, mas também obtida diretamente de Jair Bolsonaro: o discurso que ele faria para justificar sua permanência no poder após um golpe apoiado pelas Forças Armadas, em um contexto de “Estado de Sítio” e decretação de “Operação de Garantia da Lei e da Ordem”. O documento foi encontrado pela Polícia Federal na sala de Bolsonaro na sede do PL, em Brasília.
Para a PGR, o discurso “reforça o domínio que este [Bolsonaro] possuía sobre as ações da organização criminosa, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados – a sua permanência autoritária no poder, mediante o uso da força”.