O indiciamento de Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pela Polícia Federal e o cerco ao pastor Silas Malafaia, de forma simultânea no fim da tarde desta quarta-feira, 20, mirou o coração da resistência bolsonarista e sua campanha contra o julgamento do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado e atentado violento à democracia, no STF (Supremo Tribunal Federal).

A duas semanas do início das sessões nas quais vai ser definido se o ex-presidente será culpado ou inocente, a contraofensiva surpresa do ministro Alexandre de Moraes e da PF buscou interromper a escalada de ataques ao fim processo, que ganhou força com o apoio do presidente americano Donald Trump.

Diante dos riscos identificados de protestos e baderna no início do julgamento, marcado para as 9 horas de 2 de setembro, a ação coordenada buscou interromper as duas principais fontes de ataques, dentro e fora do Brasil.

O relatório final das investigações da PF que miravam a trama bolsonarista junto ao governo de Donald Trump para articular uma ofensiva norte-americana contra Moraes e o STF, que acabou acertando também a economia brasileira com o tarifaço de 50%, apontou as digitais do clã Bolsonaro.

A apuração teve início em março, depois da “fuga” de Eduardo para seu “auto-exílio” nos Estados Unidos. A escalada de ataques recente foi atribuída ao filho 03 em ação coordenada com o pai e outros aliados. O objetivo era tentar forçar a anistia de Bolsonaro.

Parte das informações utilizadas pelos investigadores foi recuperada do celular usado pelo ex-presidente, apreendido em julho na operação que o levou à prisão domiciliar. São conversas por aplicativo e dados sobre movimentações financeiras que colocam de forma inédita Bolsonaro e o filho na articulação.

Os dados ligam o clã Bolsonaro diretamente à adesão de Trump e membros do governo dos Estados Unidos ao plano, associando as sanções econômicas aplicadas como parte dos crimes em andamento, para atrapalhar a conclusão do processo.

Essa nova frente de investigação tende a virar mais uma ação penal contra o ex-presidente – agora, na companhia do filho 03 e, possivelmente, do pastor Malafaia e de outros aliados. O resultado das investigações da PF segue agora para a Procuradoria-Geral da República, que pode denunciá-los ao STF.

Malafaia no alvo
A ação contra Silas Malafaia buscou cessar a organização de protestos e ataques durante o julgamento e nos eventos previstos para o Sete de Setembro. A PF sustenta que o pastor teve papel de liderança nos ataques recentes ao STF, aos ministros e aos chefes do Legislativo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Além de conversas entre o líder evangélico e Bolsonaro, investigadores identificaram sua atuação na produção de material para incentivar o confronto com autoridades e instituições.

Malafaia foi alvo de busca e apreensão nesta quarta-feira ao desembarcar no Galeão, no Rio, vindo de Portugal. Além de ter o telefone celular apreendido, o pastou foi ouvido pelos policiais ainda no aeroporto. Em entrevista ao PlatôBR, ele havia desafiado Moraes.

Asilo na Argentina
A PF identificou indícios de uma possível tentativa de fuga de Bolsonaro. Uma carta encontrada nos arquivos apagados do celular contém um pedido de asilo político a Javier Milei, presidente da Argentina.

O documento é do início de 2024. Outro dado descoberto que reforça suspeitas contra Bolsonaro e indicam, segundo a PF, tentativa de fuga e blindagem patrimonial, é a transferência de cerca de R$ 2 milhões para a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro. A descoberta apareceu nas análises financeiras que tentavam identificar quem bancou a “fuga” de Eduardo para os Estados Unidos.

O ex-presidente foi indiciado por quatro tipos de crimes: tentativa de obstrução das investigações, coação durante andamento da ação penal no STF, organização criminosa e atentado violento ao Estado Democrático de Direito – esse último, já imputado pela PGR a ele na denúncia da trama golpista. O novo indiciamento pode resultar em mais um processo contra Bolsonaro e também pesar como agravante dos crimes a serem julgados. 

Malafaia e outros filhos do ex-presidente, como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), continuam sob investigação da PF por ligação com a campanha contra o julgamento. O blogueiro Paulo Figueiredo, que vive nos Estados Unidos e vem atuando junto com Eduardo Bolsonaro nas gestões junto ao governo Trump, também foi incluído nessa frente.

O que dizem os envolvidos
Eduardo Bolsonaro e Silas Malafaia negaram ter praticado os crimes e voltaram a atacar a PF e Alexandre de Moraes. A defesa de Bolsonaro não foi localizada. Antes, nos autos, o ex-presidente já havia negado ter tentado obstruir o processo da tentativa de golpe.

O filho 03 de Jair Bolsonaro publicou uma nota na rede social X, antigo Twitter, em que questiona a divulgação de mensagens. “É lamentável e vergonhoso ver a Polícia Federal tratar como crime o vazamento de conversas privadas, absolutamente normais, entre pai e filho e seus aliados”, afirmou. Segundo ele, suas ações e manifestações não tentam “interferir em qualquer processo em curso no Brasil”.

Após prestar depoimento ainda no aeroporto do Galeão, onde teve de entregar seu telefone aos investigadores, Malafaia disparou contra Moraes. “Não vou me calar, vai ter que me prender.” O pastor confirmou ter dado orientações a Bolsonaro e ao filho, mas negou que a atitude represente qualquer crime. “Alexandre de Moraes tem que tomar um impeachment, ser julgado e preso”, prosseguiu.

Prazo para explicações
Ainda nesta quarta-feira, 20, o ministro Alexandre de Moraes deu a Jair Bolsonaro um prazo de 48 horas para explicar o suposto pedido de asilo a Javier Milei e, de novo, o descumprimento das medidas restritivas que lhe foram impostas em julho – o que, aliás, já levou à decretação de sua prisão domiciliar. Moraes alertou, mais de uma vez, que a medida pode ser convertida em prisão preventiva caso o ex-presidente siga desrespeitando as restrições.