JACARTA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na manhã desta sexta-feira, 24, na Ásia que a reunião com Donald Trump, programada para o próximo domingo na Malásia, será uma oportunidade de cada um dizer o que quiser e de ouvir o que quiser – e também “o que não quiser”. A declaração antecipa que o presidente brasileiro não pretende se eximir de criticar o que vê como excessos do colega americano. Ao mesmo tempo, indica que ele vai preparado para uma possível abordagem mais agressiva de Trump. Lula disse que a conversa precisa se dar na base da “sinceridade” e sem “frescura”.

Lula rechaçou a ideia de que vai para o encontro para “oferecer” o que o Brasil tem e que possa interessar aos Estados Unidos. E avisou que pretende tratar não apenas do tarifaço imposto ao país como cobrar respostas sobre as sanções da administração Trump a autoridades brasileiras, entre elas ministros da Suprema Corte e do governo.

“Vai ser uma reunião livre, em que a gente pode dizer o que quiser, como quiser, e vai ouvir o que quiser, e que não quiser também. Estou convencido de que vai ser boa para ele e vai ser boa para o Brasil. Vamos voltar à nossa normalidade”, afirmou o presidente pouco antes de deixar Jacarta, na Indonésia, rumo a Kuala Lumpur, a capital da Malásia, onde ele e Trump participam como convidados do encontro de cúpula da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático.

“Eu tenho todo interesse em ter essa reunião, tenho toda disposição de defender os interesses do Brasil e mostrar que houve equívoco nas taxações do Brasil. Eu quero provar com números que houve equívoco nas taxações. E também quero discutir um pouco a punição que foi dada a ministros brasileiros, da Suprema Corte, que não tem nenhuma explicação, nenhum entendimento”, afirmou o presidente.

“Como eu acredito muito na negociação, como eu acredito muito na relação humana, eu estou convencido de que a gente pode avançar muito e voltar a uma relação civilizatória (sic) com os Estados Unidos”, disse ainda, acrescentando que não haverá veto “a nenhum assunto”. “Podemos discutir de Gaza a Ucrânia, Rússia, Venezuela, materiais críticos, minerais, terra rara. Podemos discutir qualquer assunto”.

Cafezinho e carne
Em uma entrevista a jornalistas que não estava prevista no início da viagem e só foi confirmada após avançarem as tratativas para o encontro com Trump, Lula afirmou que o presidente americano sabe que o tarifaço já vem causando impactos no dia a dia da própria população americana, com reflexos, por exemplo, nos preços do café e da carne.

“Não há por que continuarmos tendo essa relação. Vocês sabem do nosso interesse em tentar contribuir para que as coisas terminem da melhor forma possível. Que ganhe o Brasil, que ganhe os Estados Unidos, mas sobretudo que ganhe o povo brasileiro e que ganhe o povo americano. (…) O presidente Trump sabe que o preço da carne lá está muito alto, é preciso baixar o preço da carne, sabe que o cafezinho vai ficando caro.”

“Frescura”
“A gente não tem que ficar com muita frescura, não, sabe? É dizer o que quer, cada quer o que é preciso fazer, e fazer. Nós (Brasil e Estados Unidos) somos as duas maiores democracias do Ocidente. Nós temos que passar para a Humanidade harmonia, e não desavença. Nós temos que mostrar para a Humanidade uma perspectiva objetiva na melhoria de vida do povo que a gente representa. O Presidente Trump diz que é muito sincero naquilo que ele fala, eu vou ouvi-lo e quero que ele ouça toda a minha sinceridade para que a gente possa se colocar de acordo em algumas coisas”, disse Lula.

Lula afirmou que os argumentos de Trump para sobretaxar o as exportações brasileiras não têm “veracidade”. Ele mencionou, por exemplo, o entendimento da Casa Branca de que os Estados Unidos são prejudicados nas relações comerciais com o Brasil (“Os Estados Unidos têm superávit de 410 bilhões de dólares em 15 anos com o Brasil ”) e a acusação de que o país estaria desrespeitando os direitos humanos no processo que levou à condenação de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe (“Quem comete crime no Brasil é julgado e quem for culpado é punido”).

Venezuela e “combate aos viciados”
Na entrevista, Lula também criticou a ofensiva americana contra embarcações na costa da Venezuela que têm resultado em mortes de suspeitos de integrar facções do tráfico de drogas. Trump tem ordenado as operações contra narcotraficantes sob a justificativa de que assim ele evita que drogas cheguem aos usuários nos Estados Unidos. “Se a moda pega, cada um acha que pode invadir o território do outro para fazer o que quer, onde é que vai surgir a palavra respeitabilidade à soberania dos países? É ruim”, afirmou.

Ao tratar desse assunto, especificamente, Lula desenvolveu um raciocínio com grande potencial de se transformar em polêmica ao defender que seria mais eficiente “combater os viciados” em vez de mirar apenas nos traficantes – que, segundo ele, só existem porque existem os usuários. Disse ele: “Toda vez que a gente fala de combater a droga, possivelmente fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente, os usuários. Os usuários são responsáveis pelos traficantes que são vítimas dos usuários também. Ou seja, então você tem uma troca de gente que vende, porque tem gente que compra, tem gente que compra, porque tem gente que vende. Então, é preciso que a gente tenha mais cuidado no combate à droga”.

“Química”
O presidente voltou a falar em “química” nas relações, palavra que passou a ser simbólica na crise com os Estados Unidos desde que ele e Trump se falaram rapidamente na Assembleia Geral da ONU em Nova York, no mês passado. Àquela altura, ao discursar logo depois Trump disse que gostou de conhecer Lula e sentiu uma “química” no rápido encontro que teve com o brasileiro nos bastidores. “Relação humana é química. Relação humana, você não pode fazer de forma digital. Você pode até fazer, mas o resultado não é o mesmo que você olhar no olho, pegar da mão, abraçar a pessoa.”