No dia 31 de julho último, Kamala Harris foi entrevistada no The Late Show, da rede CBS, por Stephen Colbert. Foi sua primeira entrevista depois da derrota eleitoral para Donald Trump, em 2024. O entrevistador disse que ela tinha direito de afirmar ter alertado a todos, nos debates eleitorais, sobre o risco que a nação norte americana corria com a eleição de Trump. “Você pode dizer que avisou” falou Colbert.

Kamala Harris disse que ela esperava de tudo em matéria de absurdos autoritários, mas só não previu a capitulação das forcas politicas e das instituições da democracia norte americana diante das absurdas agressões imperiais Trumpistas. Descrente do “sistema” ela não quer disputar mandato eletivo nem apontar nenhum salvador da pátria que assuma a liderança da luta politica contra a extrema direita. Ela concluiu dizendo que esta é uma responsabilidade de todos nós. Anunciou que vai viajar, ouvir e conversar com as pessoas. Vai fazer política na sociedade sem disputar espaço de poder dentro do “sistema”.

Já se passaram quase dez anos do dia 23 de junho de 2016, quando foi realizado no Reino Unido o referendo para decidir se o país permaneceria ou não na União Europeia. Com a presença de 72% dos eleitores, o plebiscito registrou 51,9% a favor da saída e 48,1% por permanecer. O Brexit foi a primeira grande vitória política da extrema direita internacional, num pleito onde se registrou o uso intensivo das novas mídias digitais com a disseminação em escala industrial de narrativas falsas anti-imigração, anti-globalização e anti-cooperação europeia.

A vitória de Donald Trump em 2024 marca o auge da onda da radicalização extremista no mundo e sua administração vem confirmando os temores mais sombrios sobre o futuro da democracia.

No Brasil o conflito entre as narrativas radicalizadas do lulo-petismo e do bolsonarismo ganham contornos dramáticos com a intervenção norte americana no julgamento de Jair Bolsonaro e dos envolvidos na tentativa de desmoralização do pleito de 2022 para perpetuar-se no poder pela força. O Judiciário brasileiro e o Congresso Nacional, com todos os seus defeitos e vieses, vão prosseguir no julgamento e na punição dos responsáveis pelas ações de violência no motim no Legislativo e nos atos de 8 de janeiro. Existe uma ampla maioria que não aceita romper com a democracia. Não houve e não haverá golpe de estado no Brasil.

O governo Lula poderia tirar muito mais proveito político do sentimento de união nacional gerado pelas absurdas sanções de Donald Trump se não estivesse tão focado no projeto Lula 4. Discursos e narrativas infantis antiamericanas contra o dólar e de aproximação geopolítica com a China também dificultam o governo em sua tentativa de atrair o centro democrático para o pleito de 2026. No lado da oposição o isolamento do bolsonarismo e a perspectiva de condenação dos acusados pela tentativa de golpe colocam todos os políticos, juristas e empresários temerosos em relação ao radicalismo.

A escolha do candidato da oposição ainda deve demorar, mas me parece muito provável que o escolhido manterá distância regulamentar de Jair Messias Bolsonaro.

A regulamentação das redes sociais e do ambiente virtual continua a ser a pauta central da política e da economia no século XXI. O influenciador Felca, pseudônimo do paranaense Felipe Bressanim Pereira, de 27 anos, publicou um vídeo de 50 minutos sobre a sexualização de crianças e adolescentes para engajamento em redes sociais. O vídeo viralizou e alcançou 30 milhões de visualizações, provocando a reação do presidente da Câmara dos Deputados, que prometeu pautar o tema com urgência.

O consenso supra partidário e supra ideológico que existe sobre a necessidade de fazer uma regulação para proteger crianças e jovens no ambiente virtual não acontece quando o assunto a ser regulado é o discurso de ódio e ataques on-line às instituições da democracia.

Os limites da liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas estão em discussão em todo o mundo, e no Brasil também. A regulação europeia foi considerada rígida demais pela Meta, que anunciou não mais aceitar fazer divulgação paga de postagens envolvendo temas políticos e sociais. Todos concordam que deve haver regulação, mas não aceitam censura. A questão é como fazer isto na prática.

O polêmico assunto segue em primeiro lugar na pauta. A luta política radicalizada segue no mundo real e no ambiente virtual. Apesar de tudo, no Brasil não houve capitulação das instituições.

Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de produção e professor universitário. Foi prefeito de Vitória-ES e deputado federal pelo PSDB-ES. Integra a Academia Brasileira da Qualidade (ABQ)