A carta aberta do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para explicar os motivos de a inflação acumulada em 12 meses ter ficado quase o dobro dos 3% fixados como centro da meta pelo governo ignora o termo “política fiscal”. No documento de seis páginas, Galípolo detalha as causas do descontrole nos preços, lista as medidas necessárias para que o IPCA, referência para a economia, volte para os limites estabelecidos e define o primeiro trimestre de 2026 como o prazo para o Brasil votar a conviver com inflação abaixo de 4,5%, teto da meta atual.

Pela legislação em vigor, a inflação acumulada em 12 meses deve permanecer no intervalo entre 1,5% a 4,5% e, se isso não for observado por seis meses seguidos, o presidente do BC deve prestar explicações publicamente. No comando da autoridade monetária há sete meses, Galípolo já carrega o recorde como o primeiro presidente da instituição a assinar duas cartas desse tipo em menos de um ano. A primeira foi em janeiro e tratava do comportamento dos preços no ano anterior, quando Roberto Campos Neto estava no comando do BC e, Galípolo, na diretoria de Política Monetária.

Na ocasião, ao avaliar a depreciação do real, que foi a maior entre as economias semelhantes em 2024, o documento assinado pelo presidente do BC destacou que esse movimento foi impulsionado por fatores domésticos específicos e que “a percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio”. Depois, o quadro fiscal é citado novamente no detalhamento das providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos.

Desta vez, o presidente do Banco Central fala de elevações de preços acima do esperado da gasolina, dos alimentos industrializados, da inflação de serviços, do vestuário e automóveis, dos preços administrados. Argumenta que isso ocorreu em função da economia aquecida, do mercado de trabalho em alta, assim como o consumo das famílias e os investimentos. E lista ainda as expectativas dos agentes econômicos em relação ao comportamento futuro dos preços que estão desancoradas e a valorização do câmbio.

A única menção que resvala no debate sobre a trajetória das contas públicas é quando ele cita os reajustes salarias acima da inflação, em especial do salário mínimo, que subiu 7,5% em 2025, “o que representa 2,7 p.p. acima da inflação de 2024”, fazendo com que parte da inflação do ano passado seguisse alimentando o IPCA em 2025..

Sair da linha de tiro do debate sobre política fiscal tem se mostrado estratégico para o Banco Central. Nas últimas falas públicas, Galípolo tem evitado enveredar por esse caminho e dar munição contra o governo. O ajuste fiscal é um tema polêmico e está no centro do maior atrito do executivo e o legislativo na gestão Lula-3.