Com o desafio de apontar os caminhos para mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano para financiar a transição energética global e reduzir as emissões de poluentes, o Brasil sedia a Cúpula do Clima de Belém, em 6 e 7 de novembro. O evento conta com 143 delegações já confirmadas, das quais 57 serão chefiadas por chefes de Estado ou de governo e 39 por ministros, e dará o tom das negociações que ocorrerão durante a COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que também será realizada na capital paraense, entre os dias 10 e 21 de novembro.
O debate climático ocorrerá em meio à crise de segurança no Rio de Janeiro, onde uma megaoperação policial resultou, na semana passada, na morte de mais de 120 pessoas e dragou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um debate politizado pelos partidos de oposição. Para além dos problemas políticos locais, o Brasil sediará o evento com ausência confirmada de representantes dos Estados Unidos, a maior economia do mundo, que deixou o Acordo de Paris, destinado a frear o aquecimento global.
Além disso, outros sinais trocados às vésperas da cúpula de líderes e da COP30 foram emitidos pelo governo e pelo Congresso.
Enquanto busca zerar o desmatamento até 2030 e reduzir as emissões de gases poluentes, a gestão petista autorizou a Petrobras a pesquisar a presença de petróleo na região da Foz do Amazonas, rica em biodiversidade, com corais e extensas áreas de mangues. Ambientalistas alertam para os riscos ao meio ambiente em caso de um possível derramamento de óleo. Em paralelo, o Congresso aprovou na última quinta-feira, 30, em votações simbólicas na Câmara e no Senado, uma medida provisória que muda as regras do setor elétrico e autoriza a contratação de energia gerada a partir de usinas de carvão e beneficia o grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Contradições e objetivos
Principal expoente do governo brasileiro no debate para reduzir a emissão de poluentes, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) não fugiu da polêmica durante entrevista coletiva realizada na última sexta-feira, 31, sobre as expectativas para a Cúpula do Clima e para a COP30. “A aprovação [da MP] vai na contramão dos esforços que estão sendo feitos. Temos que acabar com subsídios ineficientes em vários aspectos e para os esforços de equilibrar o planeta”, disse.
Apesar das críticas, Marina demonstrou otimismo com o evento e afirmou que será uma oportunidade para os chefes de Estado e de governo discutirem a transição energética, as metas para reduzir a emissão de poluentes e as ações a serem financiadas. “A máxima do ‘agir local e pensar global’ não se sustenta mais. Se não tiver ajuda global para que se possa dar respostas locais para o problema da mudança do clima, os países mais vulneráveis vão continuar pagando o maior preço e o maior custo”, afirmou a ministra.
Marina também foi enfática na defesa do fim do uso de combustíveis fósseis. “Precisamos suprir o planeta, cada vez mais, com energia renovável e fazer um descomissionamento justo, planejado, gradativo, para longe de combustível fóssil. Eu, que não me apego nos cuidados com a linguagem, digo que é para o fim do uso de combustível fóssil e do desmatamento. E isso necessita de investimento, de planejamento e não acontece por pensamento mágico”, acrescentou.
Debates intensos
As agendas bilaterais de Lula em Belém com outros chefes de Estado serão realizadas em 5 de novembro. A lista de reuniões será divulgada na véspera pelo governo. Já a cúpula de líderes será dividida em dois dias, em uma plenária ampla na qual todos discursarão. A abertura será feita pelo presidente brasileiro, antecipou o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Mauricio Carvalho Lyrio.
No dia 6, um almoço será oferecido por Lula para apresentar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), iniciativa brasileira que prevê pagamentos a países que garantam a conservação das florestas. No total, mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais em seu território poderão receber os recursos. Brasil e Indonésia já anunciaram aportes no fundo e o governo brasileiro quer atrair o maior número de financiadores para a iniciativa.
Na tarde do mesmo dia, o debate será sobre florestas e oceanos. Na manhã do dia 7, os líderes discutirão a transição energética. A sessão final será sobre os dez anos do Acordo de Paris, as metas para a descarbonização e o financiamento para a transição energética.
Outros objetivos brasileiros
Outros dois assuntos serão debatidos na cúpula e ainda mais debatidos durante a COP30: a taxonomia sustentável e a integração entre os mercados de carbono. Desenvolvida sob coordenação do Ministério da Fazenda, a TSB (Taxonomia Sustentável Brasileira) funcionará como um “dicionário da sustentabilidade”.
O instrumento define, com base em critérios técnicos e científicos, o que pode ser considerado uma atividade, projeto ou ativo sustentável, observando metas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, bem como de redução das desigualdades de gênero e raça. A TSB será instituída por um decreto presidencial. O governo brasileiro propõe a construção de um padrão global que permita integrar a taxonomias nacionais.
Na prática, a ideia é criar um mecanismo que permita que investidores, governos e empresas possam compreender e comparar níveis de sustentabilidade de produtos e atividades econômicas em diferentes países, respeitando a soberania, as escolhas e as prioridades de cada nação, a partir de parâmetros oficiais universais.
Outra proposta do governo brasileiro é criar a Coalizão para Integração dos Mercados de Carbono, a partir dos países que já têm mercados regulados. A ideia é atrair para essa iniciativa os dois maiores players, União Europeia e China, além de Reino Unido, Noruega, Canadá, México, Indonésia, África do Sul e o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, que tem legislação própria sobre o assunto.
Presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago (foto), afirmou que a combinação de esforços para a criação do fundo de preservação de florestas e para formar uma coalizão destinada a integrar os mercados de carbono pode ajudar o mundo no processo de descarbonização.
“Há espaço para a Amazônia como solução pela restauração das florestas. O TFFF pode estimular a conservação e ser o primeiro instrumento que está buscando dar um valor à floresta em pé. Isso é uma coisa extraordinária. Temos também a oportunidade incrível de gerar créditos de carbono e não há crédito de carbono melhor que o de restauração florestal”, disse o embaixador.
