Mais que uma surpresa, a medida de Donald Trump de taxar o Brasil em 50% é inexplicável. Ou melhor, explica-se por se tratar de Donald Trump. Desse ponto de partida, o cientista político Carlos Gustavo Poggio, professor do Berea College, no Kentucky, analisou em entrevista à coluna a carta sobre o Brasil publicada pelo presidente americano.

“Isso acontece pela incrível habilidade que o Donald Trump tem de arrumar briga com aliados históricos. Fez com o Canadá, com a União Europeia e agora é a vez do Brasil. Por quê? Porque ele não enxerga relações internacionais como uma relação entre países aliados ou competidores. Ele enxerga pela visão de clientes e adversários. E alguns adversários mais ou menos poderosos. Então é essa visão que ele tem, que é uma visão, enfim, de quem desenvolveu a sua visão política no mercado imobiliário do Queens.”

Com esses aliados, o americano voltou atrás na supertaxação dos produtos importados. Mas, como pondera o professor, o Brasil não tem a mesma importância no mercado dos Estados Unidos.

“Ele recuou porque também são parceiros em que os custos são muito maiores do que no caso da relação com o Brasil. Mas, recuando ou não, cria um desconforto. Quer dizer, a questão não é recuar, mas é esse instinto do Donald Trump de arrumar briga onde não tem briga para ser arrumada, que é no caso dos aliados.”

Para que o presidente fizesse valer a expressão que foi criada sobre ele nos Estados Unidos — TACO (Trump always chickens out/Trump sempre se acovarda) — seria necessária a pressão doméstica, que é o que o fez ceder no caso da China, por exemplo.

“Se a gente fosse seguir o padrão do Donald Trump, isso [a taxação] não deveria ser levado a sério. O Trump gosta de dar esses grandes números e, depois, muda de ideia. Mas como o Brasil não tem o mesmo poder que têm, por exemplo, União Europeia, China e Canadá, o custo para ele ir adiante nessa tarifa é muito baixo. A não ser que ele comece, acho que essa é a grande questão que faz o Trump mudar de ideia: receber pressão de empresários que compram aço, petróleo, café do Brasil. Mas não sei se existe esse lobby tão poderoso.”

Para o cientista político, a decisão de Trump foi puramente ideológica, uma vez que “a razão econômica não existe”. “O Brasil é um dos países que os Estados Unidos têm maior superávit no mundo”.

Poggio viu na carta de Trump uma ação direta de Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos tentando convencer governo e Congresso de que a democracia do Brasil está em risco e, assim, dar suporte a seu pai no processo do golpe.

“Há o elemento dessa construção de redes que o Eduardo Bolsonaro, a família Bolsonaro tem feito já nos Estados Unidos há muitos anos e isso acabou chegando a Donald Trump. Ele abre a carta falando do Bolsonaro, então não tem como a gente descartar isso”, analisou o cientista político, que completou: “Vejo uma influência direta dessa rede criada por ele, pelo Paulo Figueiredo, outras pessoas que estão atuando nos Estados Unidos. O Eduardo Bolsonaro foi para os Estados Unidos só com esse objetivo. Então, tem concentrado os seus esforços em ir na Disney e fazer isso.”

Neto do ditador João Figueiredo, último presidente do regime militar, Paulo Figueiredo é um dos influenciadores da extrema direita brasileira. Vive nos Estados Unidos, de onde comanda um canal no Youtube.

Para Boggio, além do movimento de Eduardo e de sua família e da questão ideológica, há um outro fator, o dólar. Para o cientista politico, Trump ficou “um pouco acabrunhado” ao ver Lula falar sobre a substituição do dólar como moeda internacional.

Poggio lembrou que, este ano, o dólar sofreu a maior queda dos últimos 50 anos. “É um momento realmente muito delicado para o dólar, ainda mais no contexto de um pacote que Trump aprovou com déficit muito grande.”