Uma pergunta tem sido feita por várias deputadas e senadoras em relação ao Código Eleitoral, texto que será apresentado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) na próxima semana na (CCJ) Comissão de Constituição e Justiça) do Senado: porque um direito tem sempre que ser trocado por outro quando se trata da representação das mulheres? O relatório do senador vende como grande avanço a reserva de 20% das cadeiras das casas legislativas para mulheres. É certo que, se aprovada, será a primeira vez que essa reserva constará na legislação brasileira. Mas o mesmo projeto propõe um retrocesso: o fim da obrigatoriedade dos partidos de oferecerem pelo menos 30% de candidatas mulheres.
Há divisões na bancada feminina a respeito da proposta. De um lado estão as senadoras e deputadas que defendem a aprovação do texto considerando que a simples mudança do mecanismo - a troca da imposição hoje colocada sobre as legendas pela reserva de cadeiras - poderá trazer ganhos para a representatividade feminina. De outro, as que consideram que o Brasil já passou da hora de adotar medidas realmente efetivas e compatíveis com a realidade populacional brasileira, que conta com 52,8% de mulheres, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Terreno infértil
Só para se ter uma ideia da timidez desse percentual, com as regras atuais, o Senado já tem hoje 18,8% das cadeiras ocupadas por mulheres. A Câmara tem 17,92%. Quem defende a aprovação do texto o faz diante da avaliação de que o terreno é infértil ao avanço da agenda feminina. É o que dá, o que é possível fazer. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) chegou a apresentar uma emenda à proposta buscando um percentual de 30% das cadeiras, mas acabou sucumbindo ao percentual aceito pelo relator que alegou resistências fortes do Congresso.
Diante disso, Eliziane resolveu abraçar a defesa do percentual de 20% previstos no texto. "Estamos bem confiantes na aprovação deste dispositivo, acatado pelo relator para reservar, no mínimo, 20% dos assentos nas casas legislativas para elas. Há inúmeros municípios brasileiros sem uma única mulher vereadora. É preciso acabar com essa exclusão", disse a senadora ao PlatôBR. "Acreditamos que a medida proporcionará um enorme ganho para a sociedade brasileira, uma vez que as mulheres representam mais de 50% da população do país e o aumento da participação feminina nos parlamentos permitirá a formação de legislativos mais representativos e voltados ao desenvolvimento de leis e políticas públicas que promovam o bem de todos", disse a senadora ao Platô-BR.
Sem avanço e com perdas
A deputada Lídice da Mata (PSB-BA) defende uma postura mais combativa em relação à retirada da obrigação dos partidos de lançar mulheres candidatas obedecendo o mínimo previsto na legislação atual. Para ela, o avanço que a proposta poderá promover em sua votação no Senado poderá significar uma perda ao chegar na Câmara, onde uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelecia 15% das vagas para as mulheres foi rejeitada. "De qualquer forma, é perda", alertou a deputada baiana. "O relator diz que mais de 20% não é factível, que os partidos não vão aceitar", reclamou a deputada baiana.
A deputada Dandara Tonantzin (PT-MG) aponta que o esforço para se aprovar um código tão extenso é muito grande para se obter um ganho pífio diante da atual realidade brasileira. "O que temos hoje é um percentual de cerca de 18%. Nós vamos fazer uma reforma eleitoral para subir 2 a 3 pontos percentuais na participação de mulheres no parlamento?", questionou, em conversar com o PlatôBR. "Que loucura! Nós [mulheres] somos 52% da população. Nós queremos paridade. Por isso é que precisa ser pelo menos 30%, para daqui alguns anos ser 40% e para depois se chegar a 50%. Mas 20% é muito pouco", avaliou a deputada.
As reclamações não se restringem às mulheres do campo de esquerda. A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) também critica a proposta. "Eu não acho certa a ideia de que para a gente ter uma coisa, precisa trocar por outra", disse a senadora, referindo-se à oposição colocada na proposta entre a reserva de cadeiras e a obrigatoriedade de cumprimento da cota de candidaturas. "Para mim, 20% é muito pouco. O certo é a paridade. Chega dessa conversa. Nós estamos sendo enganadas há muito tempo", disse a parlamentar. A senadora fez referência à situação de atraso do Brasil nesta questão em comparação com outros países da América Latina, citando a situação do México, onde a paridade foi conquistada por meio de reserva de cadeiras no legislativo e hoje é lei para os três poderes.
"Sem perspectiva"
A deputada Daiana Santos (PCdoB-RS) se disse decepcionada com a falta de perspectiva da proposta de melhorar a realidade da participação política das mulheres. "O pior para mim é que diante de propostas como essa eu não vejo a possibilidade de a gente reduzir essa diferença brutal. E olha que estamos falando de Congresso Nacional. Imagine a realidade no interior do Brasil.
O relator e algumas parlamentares mulheres que defendem o texto costumam pedir para que o olhar se volte mais sobre as mudanças que a proposta produzirá nas câmaras municipais e legislativos estaduais, onde o cenário é mais devastador no quesito da representatividade feminina. Esse argumento constou em um estudo feito pela consultoria do Senado, encomendado pelo gabinete do relator, que foi apresentado à bancada feminina do Congresso nesta semana. "Em 2024, dos 5.569 municípios que participaram das eleições, 738 não elegeram mulheres para o cargo de vereadora, o que representa cerca de 13,25% do total. Em outras 1,6 mil cidades brasileiras, apenas uma mulher foi eleita para câmaras municipais, levando uma fatia de 29,27% dos municípios", descreve o documento usado para convencer as senadoras e as deputadas sobre o avanço.
"Primeiro passo"
O senador defendeu a proposta apontando o ganho que ela proporcionará nas bases da política no país, e indica que esse é um passo na direção de um contexto mais justo no que se refere à representação feminina. “Nós estamos colocando que toda câmara municipal, toda assembleia e o Congresso Nacional terão que ter, no mínimo, 20% de cadeiras reservadas para mulheres. Você colocando que cada estado tem que mandar para o Congresso, no mínimo, 20% de mulheres, o estado que tiver 30%, 40% ou 50% de mulheres eleitas não diminuirá. Então, na média geral, eu acredito que nós teríamos de 25% a 30% de participação feminina efetiva na Câmara Federal, por exemplo. Acredito que essa mudança trará um impacto efetivo e será um forte incentivo para termos mais mulheres na política", disse Castro ao PlatôBR.
Em relação ao fim da obrigatoriedade de candidatura, o senador considerou no texto a liberdade de cada legenda em definir o percentual de homens e mulheres, "segundo a viabilidade de eleição dos respectivos candidatos a cada cargo e em cada circunscrição". Ele manteve a cota, mas retirou as punições. "Afinal, há circunscrições nas quais um partido já conta com um bom número de pré-candidatas engajadas na política e com viabilidade de serem eleitas e, nesse caso, é vantajoso registrar um maior número de candidatas. Em outras circunscrições, no entanto, é possível que o partido necessite concentrar o apoio e os recursos financeiros em um percentual menor de candidatas, para que tenha mais chances de êxito e consiga, gradativamente, ir aumentando o percentual de candidatas a cada eleição", justificou no texto.