Enquanto os Estados Unidos tentam impor negociações comercias bilaterais com intimidações e ameaças de tarifação, o acerto multilateral entre a União Europeia e os países Mercosul, que ficou 25 anos adormecido, pode finalmente, ser implementado. Em dezembro de 2024, durante a cimeira do Mercosul, em Montevideo, houve a esperança de um despertar do acordo com o anúncio da conclusão das negociações. No entanto, para virar realidade, ainda há um caminho a percorrer e pendengas políticas a superar. Com isso, não há prazo nem previsão de quando os termos de livre comércio podem valer na prática.
Dois meses depois das comemorações no Uruguai, o acordo de livre comércio entre os europeus e o Mercosul aparece como uma alternativa a um cenário em que os Estados Unidos tentam impor uma nova ordem econômica global para, como afirma o slogan de campanha de Donald Trump, fazer a América forte e grande novamente. Na avaliação da advogada brasileira Elizabeth Accioly, especialista em direito internacional, “o caos que estamos vivendo está facilitando a via de aproximação União Europeia-Mercosul”.
Professora da Universidade Europeia de Lisboa e autora de um livro que já está na sua 5ª edição sobre o acordo econômico entre os dois blocos, Accioly explica que, apesar do avanço em 2024, ainda havia muita resistência em alguns países da Europa, em especial da França, por causa de movimentos políticos em defesa de determinados segmentos, como agricultores. Embora eles representem menos de 2% da produção nacional (PIB), a defesa da soberania agrícola francesa é o argumento que joga contra a implementação do acordo de livre comércio, que ainda precisa de seguir os trâmites de revisão, tradução nas 24 línguas oficiais e aprovação no Conselho da União Europeia, no Parlamento Europeu e nos respectivos parlamentos nacionais.
“Talvez seja a hora de os que querem por fim ao acordo, por causa da soberania agrícola, verem que esse é um ponto secundário”, afirma. As constantes ameaças de tarifação do presidente do Estados Unidos e a volatilidade gerada nos mercados, segundo a advogada, é um sinal de alerta. Isso, argumenta, sem contar a necessidade de os países se aproximarem de economias que dividem dos mesmos valores da democracia. “O cenário está muito tenso. Parece que o mundo está a regredir em vez de avançar. Talvez seja a hora de esse acordo caminhar para fortalecer países que dividem valores em comum”, afirma.
Accioly admite que há movimentos mais à direita, alinhados com Donald Trump, também na Europa, e que isso pode ser um dificultador, já que é preciso maioria nas aprovações. A França pode buscar apoio na Polônia, na Itália, na Áustria e na Irlanda para formar uma minoria suficiente para bloquear o avanço do acordo no Conselho da União Europeia. Esse é o órgão que defende os interesses nacionais e conta com representantes dos 27 Estados que integram o bloco. Para sair vitorioso, é preciso ter o voto de 55% dos membros (15 estados), que devem representar 65% da população europeia. Isso é chamado de dupla maioria.
A advogada explica que, se a França conseguir o apoio da Polônia, Itália, Áustria e Irlanda, esses países juntos somariam 40% da população e o acordo seria rejeitado no Conselho. Porém, ela lembra, a economia é um instrumento importante da política. Com isso, a volatilidade instalada no mundo pelos desmandos de Trump pode mudar o foco de avaliação. Afinal, a especialista lembra que parte da indústria automobilística francesa já se instalou no Mercosul. A Renault fechou a fábrica na Bélgica e abriu no Paraná, na fronteira do Brasil com dois sócios do Mercosul, Argentina e Paraguai.
Mas, do lado de cá, também há problemas. A Argentina de Javier Milei ameaçou deixou o Mercosul se posicionando como uma pedra no sapato do acordo com a União Europeia. “Há instabilidade gerada pela Argentina. Mas isso tem uma leitura mais política, sem demonstração prática de qual seria a vantagem para a economia do país com um acordo bilateral com os Estados Unidos em comparação com o Mercosul”. Para a professora, “os blocos econômicos só fortalecem a economia e a economia é uma ferramenta da política”.