Não deve estar sendo nada fácil o dia a dia do ex-presidente Jair Bolsonaro. Enclausurado dentro de casa, sem comunicação com o mundo político e vivendo a angustiante espera por um julgamento que poderá definir seu futuro, restam a ele perspectivas no mínimo sombrias para as próximas horas. Com boas intenções, mas exagerando na falta de tato, ou incompetência no desempenho de algumas tarefas, amigos e auxiliares mais próximos mais atrapalham do que ajudam.

Contribuem para que o calvário espinhoso do capitão tenha sempre novos episódios. Essa “ajuda” desastrosa a Bolsonaro, comprovadamente, colabora para que a justiça ganhe argumentos contra ele, fragilize os mecanismos de defesa e influencie para que o ambiente ao seu redor muitas vezes insinue insegurança. Fácil listar esse amontoado de fatos negativos, que em nada melhora a situação jurídica do ex-presidente.

Com atuação atabalhoada, revanchista e indisciplinada, o filho rebelde Eduardo Bolsonaro, sentado no colo de Tio Sam, diariamente atira farpas na Corte Suprema do Brasil, numa atitude que mistura infantilidade com crise descontrolada de vaidade e destempero. Somente uma mentalidade desapetrechada de qualquer dose de bom senso acreditaria que atos desse porte assustariam juristas abastados de razão e atuando em conformidade com a lei. Valdemar da Costa Neto, que no último dia 11 de agosto completou 76 anos de idade, preside o Partido Liberal, bandeira que na prática deveria ser um porto seguro de orientação e guarida para o seu filiado mais ilustre.

Só que isso não acontece, e a cada semana pelo menos uma declaração fora do eixo aparece na mídia, com a paternidade assumida pelo deputado paulista, que também tem no histórico registros negativos com rastros deixados por ocasião do mensalão. A última contribuição de Costa Neto, para que o partido de Bolsonaro voltasse a alavancar citações negativas a correligionários, aconteceu dias atrás. Inspirado em algum informante alienado de outro mundo, o presidente do PL comparou o ex-presidente à figura lendária de Che Guevara.

Comparação que resvala no absurdo e traz à tona a antiga e perturbadora imagem que a cada ano que passa a qualidade intelectual e cultural dos nossos políticos está sempre caminhando entre o ridículo e o desqualificado. Para os mais jovens vale lembrar que Ernesto Guevara de La Serna foi um dos principais mentores da histórica revolução cubana, aliado do também lendário Fidel Castro. Para o mundo tornou-se Che Guevara, combatente ativo do domínio americano a Cuba.

Embora argentino de nascimento, toda sua trajetória política está relacionada a Cuba. Nasceu em 14 de junho de 1928 e morreu em 9 de outubro de 1967, aos 39 anos. Era médico, escritor, diplomata, guerrilheiro e teórico militar. Ao saber nos dias de hoje quem está sendo comparado deve ter se movimentado no túmulo. Costa Neto ainda tentou se justificar, alegando que não fez comparação de perfil, apenas uma citação pela popularidade alcançada pelos dois líderes.

Bolsonaristas não gostaram da comparação, governistas, como era de se esperar, apenas ironizam. Abastecendo ainda mais o caldeirão de atitudes que apenas contribui para intranquilizar os dias de Bolsonaro, Costa Neto e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro não escondem visíveis divergências em relação aos próximos passos do partido. O que deveria ser fonte geradora de tranquilidade para o ex-presidente, aponta que há uma latente disputa de poder. A ex-primeira dama, conforme pesquisa de opinião pública, está bem avaliada quanto a uma possível candidatura à Presidência da República, substituindo o marido inelegível.

Um dos embates entre Michelle e Costa Neto acontece no ambiente político de Santa Catarina. A ex-primeira dama apoia e prestigia a Deputada Caroline de Toni para ser a candidata do partido para o Senado. Contrariando Michelle, Costa Neto bate o pé e insiste em apoiar Esperidião Amin, do PP, como candidato ao Senado. O presidente do PL também não esconde descontentamento com o senador Romário, que segundo ele se negou a apoiar ações do partido contra o Ministro do Supremo, Alexandre de Moraes.

Toda essa movimentação política, com sinais evidentes de conflitos internos, apenas aumenta a tensão em um reduto que a essa altura do campeonato mais do que nunca deveria estar sinalizando união, apoio e solidariedade ao ex-presidente que, inclusive, poderá ser condenado à prisão. Os sinais de brigas por espaço, brilhos na ribalta e ocupação de cargos estão explicitados sem nenhuma preocupação de sigilo. Há quem goste desse ambiente hostil e de disputa, mas é bem provável que Bolsonaro não esteja entre esses apostadores.

José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais