Diz a crença popular que “quem sai aos seus, não degenera”. Quem acredita em estatística, ou se baseia em pesquisas, tem lá seus motivos para firmar jurisprudência e botar fé na pregação que mundo afora se alastrou. Difícil não associar a conduta do Deputado Eduardo Bolsonaro junto ao governo americano, aos estragos políticos e diplomáticos entre o Brasil e os Estados Unidos, outrora saudável e sem mácula. Se ao parlamentar antes cabia apenas suspeitas, coube ao próprio presidente americano a declaração de que daquele amor nada mais resta, a não ser o adeus. E ao invés de flores na despedida, o desapego veio em forma de chantagem.

Politicamente, a ação resvala no absurdo. Moralmente, é sórdida e injustificável. É de conhecimento público que Trump aceita negociar tarifas aplicadas ao Brasil se receber em troca o perdão a acusados de golpe de Estado investigados pela nossa Corte Suprema.

Estamos testemunhando uma página infeliz na história, recheada de ingredientes que de certa forma nos arremete para um futuro perigosamente nebuloso.

O desfecho de tudo isso que agora acontece é imprevisível, mas já temos sinais de que haverá trevas em profusão. Além do tratamento carrancudo e pouco equilibrado que Trump destina ao Brasil, é patente a sua demonstração de poder e força ao anunciar aos demais países, decisões radicais sobre sanções financeiras. A ele, e a seus seguidores, pouco importam as consequências que virão, doa a quem doer. Desde que assumiu a Casa Branca novamente, essa tem sido a tônica de sua atuação.

Vale lembrar que as medidas relacionadas ao controle da entrada ou permanência de imigrantes nos Estados Unidos também assustam comunidades e preocupam o Vaticano. Ou seja, gestos exuberantes de exigente submissão à bandeira americana, com ressalvas estratégicas a duas ou três nações com poderio bélico similar, ou parecido. Precedentes perigosos, e alguns deles incomodam também a própria comunidade americana, historicamente ufanista e orgulhosa da bandeira que ostenta.

Revisitando a história do país, há quem demonstre algum receio ou temor de que um excesso de poderio e domínio reabra feridas há séculos cicatrizadas. A mídia mundial, e nesse item inclua-se o Brasil, começa a emitir sinais de alerta nesse sentido, com alguma frequência. “Yankee, go home”, frase que expressa hostilidade ou protestos contra a presença ou influência dos Estados Unidos, usada em conflitos ou movimentos políticos, não traz boas recordações a nenhum cidadão americano que tenha como padrão de comportamento a ordem e a paz.

As dores geradas pela Guerra de Secessão, entre o Sul e o Norte, de 1861 a 1865, estão nas páginas e nos registros culturais do país como marcas doloridas. Temas como escravidão, discriminação racial e, também, taxações financeiras abasteciam combates que geraram mortes e muito sangue. O músico Richard Thompson, com 76 anos, ainda nos dias de hoje tem em seus hits acordes de “Yankee go home”, componente crítico do ambiente musical americano.

O mesmo tema foi seguidamente explorado pelo cantor cubano Carlos Pueblo, que morreu em 1989. Utilizando do mesmo refrão, ele encantava noites de Havana e outras cidades contrárias ao poderio americano. Em pleno século 21, no ápice da evolução tecnológica, com a humanidade se adaptando á inteligência artificial, talvez como mais uma ferramenta de harmonia entre os povos, é inadmissível que aventureiros sem responsabilidade patriótica e sem credencial alguma se prestem a brincar de Deus, difamando o próprio país, à revelia de todas as leis.

Respondendo a processos, colocando em jogo uma carreira política que poderia dar a ele inclusive relevância e credibilidade futura, Eduardo Bolsonaro parece não entender que o cenário que o espera não sinaliza nada que se pareça com alguma coisa que interesse ao Brasil. Analistas políticos, com algum tempo de estrada no cenário internacional, com base em fontes seguras, acreditam que o temor de Trump em relação a uma possível condenação de Bolsonaro, é que o fato seja relacionado ao mesmo tipo de processo a que ele responde, a invasão do Capitólio.

Segundo a fonte, o precedente levantaria uma série de questionamentos, uma vez que as denúncias são similares. Se pode acontecer no Brasil, também pode acontecer em outro país, quando as causas são semelhantes. Esse temor talvez justifique a exagerada preocupação com o futuro do ex-presidente do Brasil. E faz sentido. Nunca se viu tanto afeto assim na história política entre os dois países. Saudade da amizade entre Antônio Carlos Jobim e Frank Sinatra, cujo elo entre os dois tinha no meio do caminho uma garota de Ipanema, uma das coisas mais lindas que o Brasil já viu passar.

José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais