A despeito do ciclo de alta de juros implementado desde dezembro pelo Banco Central para tentar frear o consumo, o ritmo da economia e a escalada da inflação, o presidente Lula iniciou o ano prometendo mais renda, especialmente para os mais pobres, e mais crescimento do PIB. Esse recado foi passado pelo petista em entrevista coletiva no final de janeiro. Nas semanas seguintes, o governo iniciou uma sequência de medidas que, juntas, prometem atingir cerca de 70 milhões de pessoas e movimentar em torno de R$ 123 bilhões até o ano eleitoral de 2026.
A ofensiva pelo aumento da renda e pelo estímulo ao crescimento começou a ser montada no final de 2024 pela mesma equipe, e ao mesmo tempo, que preparou uma série de ações para conter a alta das despesas do governo federal, equilibrar as contas públicas, sinalizar compromisso fiscal ao mercado financeiro e segurar a escalada inflacionária. Esses movimentos contraditórios refletem os dois maiores desafios da gestão Lula atualmente: i) a área política precisa reverter a avaliação negativa do governo e do próprio presidente Lula nas pesquisas de opinião, além de preparar a plataforma de campanha para as eleições de 2026 e ii) a equipe econômica tem que reduzir a inflação que penaliza o bolso dos brasileiros, alimenta o mau humor dos eleitores, dos analistas e dos investidores.
Essa estratégia do governo, no entanto, gera duas incertezas. A primeira está relacionada ao que sairá do Congresso após a tramitação do projeto de lei que propõe a principal medida, anunciada com toda pompa em solenidade no Palácio do Planalto (foto) nesta terça-feira, 18: a isenção da cobrança do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e o desconto parcial do IR para trabalhadores com renda entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, que deverão valer em 2026, se forem aprovadas pelos deputados e senadores. Além disso, o governo quer corrigir ainda este ano a faixa de isenção da tabela do IR de R$ 2.824 para R$ 3.036. A renúncia fiscal total estimada com essa calibragem do IR foi prevista em R$ 30,8 bilhões, atingindo 10 milhões de trabalhadores.
Para compensar essa receita que deixará de entrar nos cofres da Receita Federal, o governo quer taxar quem ganha mais de R$ 50 mil por mês (R$ 600 mil por ano) com uma alíquota gradual até o teto de 10%, que incidirá sobre quem ganha R$ 1,2 milhão ou mais. A proposta é polêmica e deve ser modificada no Congresso, segundo sinalizou o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Ao discursar na solenidade de lançamento do projeto, ele disse que terá sensibilidade para se colocar no lugar de quem precisa, mas deu um recado. “O Congresso fará alterações, não tenho dúvidas”, disse.
Um pouco antes da fala de Motta, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), em tom de apelo, argumentou que o aumento da tributação afetará apenas 0,2% da parcela mais rica da população, um total de 141 mil pessoas, e que elas ajudarão outros 10 milhões de brasileiros. “Parece bastante justa a proposta”, afirmou o ministro. “Esse não é o projeto da histeria, da discórdia. É o projeto da concórdia. Todo mundo tem que estar sensível ao clamor social”, acrescentou.
A segunda incerteza diante dos sinais contraditórios dados pelo governo é o impacto que, no final, as ações para aumento da renda dos trabalhadores terão para o consumo, o crescimento da economia e, como consequência, a inflação. Até porque a medida anunciada nesta terça-feira, 18, se soma a outras duas que também impactam diretamente o poder de consumo e estimulam o nível de atividade e reajustes de preços.
É o caso da liberação de R$ 12 bilhões para cerca de 12,2 milhões de trabalhadores que optaram pela modalidade de saque aniversário do FGTS e que foram demitidos entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2025. Pela regra original, eles haviam perdido o direito de sacar o saldo integral do FGTS. Mas, com a decisão do governo, o dinheiro já está sendo liberado este ano.
A outra medida é o chamado consignado privado, uma linha de crédito com juros menores e desconto em folha de pagamento para trabalhadores com carteira assinada e que, pelos cálculos da equipe econômica, beneficiará 47 milhões de pessoas. A ideia do governo é aumentar em R$ 80 bilhões o total de crédito disponível para os trabalhadores do setor privado, subindo do patamar atual de R$ 40 bilhões para R$ 120 bilhões. Com isso, o pacote de medidas do governo se traduz em mais dinheiro no bolso para consumo, pressionando a inflação.
"Política econômica é igual cobertor curto. Objetivos nem sempre são solidários, são contraditórios", diz Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, órgão ligado ao Senado. Para Pestana, medidas que expandem a demanda numa economia aquecida e com baixa capacidade ociosa, como é o caso do Brasil, pressionam a inflação e se tornam um desafio para o Banco Central. "Mas no caso da medida do IR, não há redução da carga tributária, há uma redistribuição", afirma o diretor-executivo. Assim, Pestana avalia que a expansão no consumo da população de menor renda será acompanhada de redução no consumo de luxo, nas faixas de renda mais elevada.
Segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, apesar de o objetivo das medidas ser melhorar a distribuição de renda no país com neutralidade fiscal, haverá impacto positivo na economia. No entanto, ele diz que o crescimento estimado pela equipe econômica (algo próximo a 2,3% em 2025, e entre 2,5% e 3% em 2026) está alinhado com o potencial de crescimento do país, , mesmo com as medidas anunciadas no último mês. "Do ponto de vista da inflação, estamos tranquilos”, disse o secretário. Para ele, da mesma forma que haverá estímulos ao nível de atividade, outras ações, como a alta de juros pelo Banco Central, tem efeito defasado e influenciam no sentido contrário. “O que importa para inflação é o saldo líquido”, afirmou Mello. "Se o mercado estiver certo [na previsão de crescimento menor do que a do governo], o cenário será ainda melhor para inflação".