A Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) determinou que sejam apuradas as emissões de precatórios bilionários por cinco varas da Justiça Federal do Distrito Federal. Um precatório é o reconhecimento de uma dívida a pagar pelo poder público, decorrente de um processo judicial.
As apurações atingirão processos que tiveram a atuação de filhos de ministros do STJ como advogados, cujos nomes foram revelados pela coluna nessa quarta-feira, 18.
A ordem do corregedor do tribunal, desembargador federal Ney Bello (foto acima), foi formalizada em uma portaria assinada em 12 de junho, após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mandar o TRF-1 suspender precatórios que teriam sido emitidos irregularmente.
O corregedor do CNJ, Mauro Campbell, atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União. Segundo a AGU, decisões da Justiça Federal do Distrito Federal que mandavam a União pagar R$ 3,5 bilhões em precatórios, em 35 processos, foram tomadas antes do esgotamento de todos os recursos possíveis. Essas ações listadas pela AGU ao CNJ foram movidas por hospitais e entidades de saúde privada, para cobrar da União valores referentes à correção de preços da tabela de procedimentos do SUS.
Como noticiou a coluna, 21 desses 35 processos tiveram filhos de dois ministros do STJ, Francisco Falcão e Humberto Martins, atuando como advogados das partes contrárias à União. Os precatórios que teriam sido emitidos de maneira irregular em benefício dos clientes dos familiares dos ministros somaram R$ 1,6 bilhão no total. Como advogados, eles cobrariam honorários sobre os valores liberados em cada processo.
Ney Bello determinou a abertura de um processo de correição extraordinária nas cinco varas citadas pela AGU na ação movida no CNJ: a 3ª, a 4ª, a 6ª, a 16ª e a 22ª varas da Justiça Federal do Distrito Federal. O corregedor ordenou que a apuração avalie o trâmite e o procedimento na expedição dos precatórios e considere, “em especial”, os processos indicados pela AGU. Ou seja: os casos que tiveram atuação dos filhos dos ministros do STJ serão examinados.
A correição extraordinária será feita nas cinco varas entre 7 e 10 de julho.
Em um ofício ao CNJ, o corregedor do TRF-1 apontou que há 4,5 mil precatórios emitidos na Justiça Federal do Distrito Federal com dinheiro da União já bloqueado para pagamentos, num total de R$ 20,5 bilhões. O tribunal apura quantos desses precatórios também envolvem o tipo de irregularidade apontada pela AGU e o CNJ.
Filhos de ministros e os precatórios bilionários
Conforme noticiou a coluna nesta quarta, o ex-advogado e hoje desembargador do TRF-1 Eduardo Martins (foto abaixo) aparece como advogado ou interessado em 19 ações com precatórios suspensos pelo CNJ, no valor total de R$ 1,5 bilhão. Ele se tornou magistrado do TRF-1 em março de 2024. A irmã de Eduardo, Luísa Martins, está relacionada a nove processos. Luísa é sócia do Escritório de Advocacia Martins, por meio do qual o irmão, agora desembargador, atuava enquanto advogado.
Entre os familiares de Francisco Falcão, Djaci Falcão Neto, filho do ministro, está vinculado a onze desses processos, que tiveram a emissão de R$ 1,2 bilhão em precatórios irregulares, conforme a lista da AGU. Seus irmãos Felipe e Luciana Falcão aparecem, respectivamente, em duas ações e uma. Um enteado do ministro, Ferdinando Paraguay Ribeiro Coutinho, também está na lista. Coutinho atuou em dois processos, que tiveram R$ 10,2 milhões em precatórios suspensos pelo CNJ.
Em um dos processos listados pela AGU como irregulares, por exemplo, o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul teve reconhecida uma dívida a receber de R$ 274,4 milhões da União. Conforme se vê na ação da 3ª Vara Federal do Distrito Federal, Djaci Falcão Neto receberia 5%, ou R$ 13,7 milhões, e Eduardo Martins, 2,3%, o equivalente a R$ 6,3 milhões.
Procurado pela coluna, o advogado Djaci Falcão Neto, sócio do escritório que também inclui Felipe e Luciana Falcão, afirmou que atua desde 2016 em ações relacionadas à tabela do SUS. Sobre a decisão liminar do corregedor do CNJ, Falcão Neto declarou não ter verificado irregularidades legais ou de procedimentos cometidas pelos magistrados na emissão dos precatórios. O advogado disse que aguardará a posição do plenário do órgão.
“No nosso entender, a decisão do Ministro Mauro Campbell não reflete a realidade vivenciada na expedição dos precatórios da justiça brasileira, e tem uma abrangência maior do que os processos listados, pois abre uma divergência para com os procedimentos atualmente utilizados de expedição dos precatórios dos magistrados em geral. Porém, a decisão abre uma grande oportunidade para o plenário do Conselho Nacional de Justiça regulamentar a expedição do precatório, nos termos da legislação, de forma a dar uma maior segurança jurídica aos jurisdicionados, de forma ampla e abrangente”.
A coluna entrou em contato na segunda-feira, 16, com os advogados Luísa Martins e Ferdinando Paraguay, mas não teve retorno. O desembargador federal Eduardo Martins, do TRF-1, foi procurado por meio da assessoria de imprensa do tribunal, mas também não respondeu até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.